Israel e a Corte Penal Internacional

Em dezembro de 2019, a promotora-chefe da Corte Penal Internacional anunciou que investigará a acusação contra Israel sobre crimes de guerra.

A Corte Penal Internacional (CPI) foi implementada em 1998, com sede em Haia, Países Baixos. Pertencem a ela 123 países, sem participação de Israel e dos EUA. Em dezembro de 2014, a CPI aceitou o ingresso da “Palestina”, requerido pela Autoridade Nacional Palestina (ANP). Embora até hoje a posição da Palestina, segundo o direito internacional, ainda seja motivo de muita controvérsia entre os juristas, 137 dos 193 países-membros das Nações Unidas reconheceram a Palestina como Estado independente. O requerimento de ingresso às Nações Unidas submetido em 2012 pelos palestinos fracassou, de modo que lhes foi concedido apenas a condição de observadores. Logo depois da admissão dos palestinos à CPI ficou claro por que a providência desse grêmio tem particular significado: a CPI só pode perseguir crimes cometidos nos territórios dos seus países-membros. Portanto, possibilitou-se assim ao ministro das Relações Exteriores da ANP, Riad al-Maliki, requerer por escrito a instalação de investigações contra Israel. A CPI atendeu a essa pretensão imediatamente após o ingresso, em janeiro de 2015.

Na época, Israel classificou a ação como condenável, uma vez que demonstraria a “manipulação política dessa entidade jurisdicional”. Além disso, Israel insistiu em vários critérios do direito internacional que a Palestina nem cumpre para apresentar-se como Estado soberano para poder, assim, requerer investigações. No entanto, a promotora-chefe Fatou Bensouda empreendeu investigações preliminares, que considerou encerradas no final do ano passado. Seu resultado: havia material suficiente disponível para empreender investigações contra Israel a respeito de crimes de guerra. “Todas as premissas exigidas no estatuto da CPI para a abertura de processos foram cumpridas”, declarou, acrescentando que nas três regiões da Cisjordânia, da Faixa de Gaza e de Jerusalém Oriental “foram cometidos e continuam sendo cometidos crimes de guerra”.

Há um outro adendo que o mundo praticamente ignorou: “Antes disso, porém, a câmara competente ainda precisa decidir em que medida a corte tem competência territorial sobre as três regiões ocupadas”. Uma câmara de investigação preliminar de três integrantes da CPI será encarregada disso. Em seu relatório, de 112 páginas, ela também expõe seu parecer de que a competência existe. Ouvindo-a com atenção, percebe-se que ela não pretende mais investigar supostos crimes de guerra, mas que já constatou que Israel os cometeu e comete. Dependendo de Bensouda, “as investigações deverão ser empreendidas sem demora e rapidamente no interesse da justiça”.

Outro ponto que quase não se registrou é que, quanto à Faixa de Gaza, também deverá haver investigações contra o Hamas e “outros atores”. Especialistas que examinaram mais de perto a CPI opinaram cinicamente: “Quem crer nisso, será salvo!”. Isso porque “o comitê oficial da ANP, nomeado pelo presidente Mahmoud Abbas para cooperar com a CPI, [...] consiste de representantes do Hamas e da Frente Popular para a Libertação da Palestina, entre os quais pessoas que foram relacionadas com atos terroristas”, disse um especialista ao The Jerusalem Post.

De modo semelhante ao secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, o primeiro-ministro Netanyahu deblaterou contra as intenções da CPI. Mais objetivos, mas igualmente aniquiladores, foram os posicionamentos de Anne Herzberg, consultora jurídica da organização NGO Monitor: “... graças a amplos esforços de lobby de ONGs financiadas por governos europeus, a CPI admitiu com boa disposição ser explorada pela OLP [Organização para a Libertação da Palestina] e ativistas anti-israelenses ao permitir que palestinos fossem admitidos à corte penal em total desrespeito ao estatuto romano. [...] Se a promotora quiser provar que seus esforços não foram movidos por tendências anti-israelenses, ela deveria começar a denunciar integrantes de alto escalão da Fatah por meio da jurisdição que ela afirma deter, submetendo-os a julgamento por causa dos muitos crimes de guerra e contra a humanidade que cometeram”.

É evidente que Israel não vislumbra tempos tranquilos no cenário internacional. Mas Israel também superou o parecer arrasador do Relatório Goldstone, que o Conselho de Direitos Humanos da ONU solicitou depois dos confrontos entre Israel e a Faixa de Gaza em 2008 e 2009. A respeito da unilateralidade desse relatório, que também acusou Israel de cometer crimes de guerra, o responsável pela investigação, Richard Goldstone, reconheceu em 2011: “Se na ocasião eu já soubesse o que sei hoje, o relatório teria sido diferente”.1 Portanto, espera-se que a CPI siga a recomendação de Herzberg.

Antje Naujoks

Notas

  1. Richard Goldstone, “Reconsidering the Goldstone Report on Israel and war crimes”, The Washington Post, 1 abr. 2011. Disponível em: <https://wapo.st/3djVW7R>.

Antje Naujoks dedicou sua vida para ajudar os sobreviventes do Holocausto. Já trabalhou no Memorial Yad Vashem e na Universidade Hebraica de Jerusalém.

sumário Revista Chamada Junho 2020

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