A fascinação de Newton pelo templo de Salomão

Esse inglês precisa ser reconhecido como um dos mais destacados representantes das ciências naturais. Embora tivesse suas divergências com a igreja, era um cristão devoto. São interessantes os seus escritos teológicos, dos quais alguns apontam para Jerusalém.

Isaac Newton viveu de 1643 a 1727. O mundo o conhece como um versátil cientista atuante nas áreas da ótica, da mecânica, da física e da matemática, tendo mesmo pesquisado no campo da alquimia. Todavia, ele também se ocupou intensamente com a história antiga e precisa ser reconhecido também como filósofo e teólogo. Newton viveu em uma época na qual essas áreas ainda não se encontravam rigorosamente separadas. Além disso, sua abordagem intelectual promoveu uma estreita ligação entre as ciências e a religião. Em uma área, porém, o próprio Newton estabeleceu uma separação: ele não publicou muitas das suas conjeturas teológicas (algumas foram publicadas assim mesmo, mas postumamente) porque sua posição em relação à doutrina da Trindade lhe teria rendido a acusação de heresia tanto da Igreja Católica como da Igreja Anglicana. Também na sua alma mater, o Trinity College, em Cambridge, lhe teria criado dificuldades, conforme demonstra o destino de um dos seus alunos, que foi demitido em 1710 do corpo docente daquela universidade por motivos semelhantes.

Porém, Newton, que todos nós ainda conhecemos da escola ao menos graças à sua Lei da Gravitação, não foi o único que estabeleceu uma separação dos seus escritos por setores – as pesquisas nas ciências naturais, por um lado, e textos filosóficos de conteúdo principalmente teológico, por outro. Em 1785, os escritos de Newton passaram como legado à escola superior acadêmica de Cambridge, embora com uma exceção. Essa renomada instituição de ensino superior não tinha nenhum interesse nos escritos teológicos desse erudito e simplesmente recusou sua aceitação. Assim, esses manuscritos permaneceram por longo tempo de posse da família, que em 1936 decidiu leiloar esse legado de Newton com ajuda da renomada casa de leilões Sotheby.

Há uma interessante história cercando o leilão desses textos de certamente um dos mais famosos cientistas de todos os tempos. No dia em que os manuscritos teológicos de Newton seriam leiloados em Londres, a casa de leilões Christie’s, localizada nas proximidades, havia marcado um leilão de pinturas de artistas famosos. Com isso, o leilão dos escritos de Newton só atraiu um pequeno número de interessados e poucos dos manuscritos mudaram de dono, e a preços relativamente baixos. No entanto, dois eruditos colecionadores de manuscritos raros sabiam do evento: o economista inglês John Maynard Keynes e Avraham Shalom Yehezkel Yahuda. Esses dois homens tentaram reter o máximo possível de manuscritos. Felizmente, quase não chegaram a concorrer entre si, porque Keynes se interessava pelos escritos de Newton relacionados com a alquimia, enquanto Yahuda tinha especial interesse pelos manuscritos teológicos.

Yahuda, um erudito universal que colecionava manuscritos raros, nasceu em 1877 em Jerusalém. Na ocasião, esse judeu de origem iraquiana arrematou uma grande quantidade dos escritos teológicos de Newton. Ele faleceu em 1951 e legou sua coleção de manuscritos à Biblioteca Judaica Nacional e Universitária, em Jerusalém. Quando, pelo fim da década de 1960, essa coleção chegou ali junto com outros manuscritos raros que ele reunira, os 7 500 manuscritos teológicos de Newton foram encerrados num cofre, onde permaneceram por muitos anos. Poucos foram os pesquisadores, escolhidos a dedo, que tiveram acesso a eles. Foi só em 2007 que a biblioteca lembrou-se de dedicar uma exposição a esses manuscritos de Newton, apresentada ao público sob o título de “Os segredos de Newton”. Em 2016, a UNESCO declarou a coleção como parte do programa “Memory of the World”. Nesse meio tempo ela foi digitalizada graças à promoção de uma fundação, ficando assim acessível a todos na internet e não só localmente.

Como teólogo e cristão profundamente devoto, Newton estudou intensamente a Bíblia. Só bem mais tarde o mundo da ciência descobriu que, embora Newton lecionasse física, dedicando-se às ciências naturais como professor e pesquisador, em última análise ele pesquisava de forma bem mais intensa os temas teológicos. Segundo uma estatística, seus escritos teológicos compreendem mais de 2,2 milhões de palavras. Além de pesquisar a história da igreja, Newton dedicou-se amplamente ao Novo Testamento e não deu pouca atenção também ao Antigo Testamento. Como compete a um cientista, ele estudou não só a Bíblia hebraica, mas também outros escritos do judaísmo em sua língua original, o hebraico. Baseadas na abordagem e na visão do mundo defendida por Newton, algumas publicações científicas populares levantaram a tese de que esse cientista e cristão devoto poderia ser chamado de primeiro “sionista cristão”.

Como teólogo e cristão profundamente devoto, Newton estudou intensamente a Bíblia. Como compete a um cientista, ele estudou não só a Bíblia hebraica, mas também outros escritos do judaísmo em sua língua original, o hebraico.

Newton, que foi agraciado com o título de nobreza “Sir”, ocupou-se das profecias, com cálculos de tempo relativos a eventos bíblicos e à atuação de personagens bíblicos, o que também o induziu a cálculos sobre os tempos do fim, que segundo ele ocorreria em 2060. Um aspecto particularmente interessante é o fascínio de Newton com o templo de Salomão.

Sua obra The Chronology of Ancient Kingdoms [A cronologia dos reinos antigos], publicada postumamente em 1728, contém desenhos detalhados do templo de Salomão elaborados por Newton. Seu quinto capítulo é intitulado “Uma descrição do templo de Salomão”. Newton também se ocupou intensamente dos usos e costumes em torno do templo. No entanto, essa publicação – e também os outros manuscritos guardados em Jerusalém, entre os quais Notes on the Jewish Temple [Anotações sobre o templo judeu] – revela claramente que seu foco principal era a arquitetura e, por exemplo, as medidas bíblicas e a geometria aplicada ao templo. Assim, ele estudou o “Eruv” – aquela distância que era permitida aos judeus percorrer no sábado, para o que recorreu também aos outros textos judeus fundamentais, como o Talmude e a Mishná, além de escritos de renomados eruditos judeus, como Maimônides. Entre esses manuscritos, deparamos também com estudos de Newton sobre o “mar de fundição”, aquele tanque de bronze descrito em 1Reis 7.23, localizado no pátio interno do templo, que induziu Newton a filosofar sobre a medida bíblica “côvado” e a realizar outros cálculos matemáticos com base em unidades bíblicas de medida. Esses manuscritos, guardados na Biblioteca Judaica Nacional e Universitária, datam dos anos de 1675 e 1685, contendo textos em latim, hebraico, aramaico e grego. Nesse trabalho, Newton compara as raízes de palavras hebraicas e aramaicas e seu significado semântico, examina os textos bíblicos em torno do tema do templo e a respectiva interpretação bíblica.

Considerando o templo de Salomão e a importância que Newton lhe atribuía, um trabalho recentemente publicado de uma colaboradora da Biblioteca Judaica Nacional e Universitária chega à seguinte conclusão: “Por um lado, Newton viu no templo judeu um modelo do universo. Ele cria que o templo em Jerusalém e o pátio que o cercava fossem um modelo do sistema solar heliocêntrico, com o altar erigido no centro representando o sol. Por outro lado, o interesse de Newton na arquitetura do templo foi atiçado pela sua convicção de que o templo serviria de ‘lugar da revelação’ para o Apocalipse. Além disso, cria que o templo de Jerusalém será reconstruído no início do milênio (ou seja, do reinado de Cristo na terra – ainda mais suntuoso que o original)”. Assim, podemos encerrar citando Newton: “Quem pensa só pela metade não crê em nenhum Deus, mas quem pensa plenamente precisa crer num Deus”.

Antje Naujoks

Antje Naujoks dedicou sua vida para ajudar os sobreviventes do Holocausto. Já trabalhou no Memorial Yad Vashem e na Universidade Hebraica de Jerusalém.

sumário Revista Chamada Janeiro 2020

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