A raíz da consciência moral

Como explicar que o ser humano sabe distinguir entre o bem e o mal mesmo que ninguém lhe tenha ensinado isso? Por que sua consciência pesa quando ele procede mal?

A revista noticiosa Der Spiegel dedicou uma matéria de capa a esse assunto.1 Nela se comenta como hoje existem também cientistas naturais tentando “sondar a origem daquela noção do procedimento social ‘correto’”.

Há certeza de que essa “noção” está presente no ser humano, mas não de onde ela vem. Estaria alojada em uma região específica do cérebro? Seria um campo de neurônios? Seria um órgão? Seria apenas um produto da evolução?

Em contraste com algumas opiniões filosóficas, a ciência moderna declara que o ser humano não tem escolha quanto a um comportamento bom ou maligno. O livre arbítrio seria “mera ilusão”, “o mal na cabeça seria um fenômeno biológico”. Contudo, a atuação do ser humano não é nem um produto da razão, nem depende do ambiente no qual ele cresce e vive. Pelo contrário, o mal está presente no ser humano – simplesmente está presente desde o início. Pessoas criadas num ambiente bem civilizado podem ser capazes dos atos mais cruéis, ricos podem tornar-se ladrões – é frequente a pessoa cometer irracionalidades a despeito da sua racionalidade.

Fica claro com isso (o que mais e mais parece tornar-se explicável também do ponto de vista científico) que o ser humano é mau por natureza, apesar de conhecer o bem, e que ele não é efetivamente livre para decidir voluntariamente. A Bíblia, por sua vez, não explica isso em termos de “ilusão” ou de um “fenômeno biológico”, mas com a palavra “pecado” e “morte em pecado”. O apóstolo Paulo escreve: “Pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto” (Rm 7.15), e aos cristãos em Éfeso ele diz: “Vocês estavam mortos em suas transgressões e pecados, nos quais vocês andaram noutro tempo, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência. Entre eles também nós todos andamos no passado, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como também os demais” (Ef 2.1-3).

ldquo;O que as escolas de pensamento e as filosofias não conseguem explicar satisfatoriamente e acabam denominando de ‘bússola’, ou instinto moral, a Bíblia chama de consciência, e esta nos foi depositada por Deus no coração.”

A matéria da Spiegel diz: “Dissemina-se agora a noção de que o ser humano vem ao mundo com uma bússola moral, uma consciência inata do bem e do mal [...] Conclui-se daí que não somente religiões e sistemas judiciais, e não somente pais e educadores transmitem à pessoa bons costumes e decência – ela já sai do útero com uma percepção disso. [...] É evidente que em toda parte do globo os homens possuem a mesma noção de justiça, responsabilidade ou gratidão. Ferir alguém propositadamente é algo que todas as culturas consideram pior do que se aquilo ocorrer sem intenção. Mesmo crianças pequenas já dispõem dessas noções morais básicas. Os sistemas judiciais das nações baseiam-se em mandamentos e proibições semelhantes, cujas origens não se discutem, e as escolas de pensamento da filosofia hoje aceitas não conseguiram explicar satisfatoriamente a origem dessas convicções”.

O que as escolas de pensamento e as filosofias não conseguem explicar satisfatoriamente e acabam denominando de “bússola”, ou instinto moral, a Bíblia chama de consciência, e esta nos foi depositada por Deus no coração. Toda pessoa tem uma consciência e sabe o que é bom e mau. Mesmo aqueles que nem conhecem a lei divina, nem possuem uma Bíblia, sabem por meio da consciência no seu coração o que é certo e errado. As passagens da matéria da Spiegel acima citadas consolidam aquilo que Deus já anunciou há dois milênios por meio do apóstolo Paulo: “Quando, pois, os gentios, que não têm a lei, fazem, por natureza, o que a lei ordena, eles se tornam lei para si mesmos, embora não tenham a lei. Estes mostram a obra da lei gravada no seu coração, o que é confirmado pela consciência deles e pelos seus pensamentos conflitantes, que às vezes os acusam e às vezes os defendem” (Rm 2.14-15).

 “A consciência é algo como o ‘advogado de acusação de Deus’. Ela nos revela o pecado e nos condena.”

Não deixa de ser uma condenável negligência não se incluir a Bíblia nas considerações científicas, porque isso permitiria chegar bem mais rapidamente a resultados válidos. A Bíblia nos fornece respostas satisfatórias.

Além disso, o artigo da Spiegel relata também algumas novas constatações muito interessantes: “As pessoas entrevistadas ou não foram capazes de dar explicações, ou estas foram muito confusas – elas próprias não sabiam por que se sentiram assim. Isso seria um sinal [...] de que a moralidade está profundamente enraizada no cérebro – oculta à consciência, porque se as regras tivessem sido incutidas nas cabeças por pais, mestres ou o ambiente como princípios abstratos, a pessoa poderia lançar mão deles facilmente, mas isto é justamente o que não ocorre – mesmo alunos de universidades de elite fornecem nos testes explicações tão nebulosas quanto as de crianças. ‘A moralidade é algo que todos têm e não algo que se adquire pela leitura de livros’ [...] O fato de as crianças precisarem primeiro aprender muitas regras não significa que façam isso sem nenhuma fundamentação moral. E, com efeito, segundo psicólogos desenvolvimentistas, mesmo bebês já dispõem de uma noção rudimentar do bem e do mal – numa idade em que, segundo Kohlberg, ainda estariam excessivamente jovens para isso. [...] Na opinião de John Mikhail, as pessoas são ‘juristas por intuição’. [...] ‘Proibições de homicídio, estupro e de outros atos violentos têm validade praticamente universal’ [...] também a noção de justiça e da necessidade de punição de malfeitores se implantou profunda e consistentemente no cérebro humano. [...] ‘Não, porque a noção de certo e errado está enraizada muito mais profundamente na história tribal’, opina de Waal, ‘do que em qualquer momento os filósofos arriscaram pensar’. [...] De Waal reforça em seu mais recente livro que o homem de modo nenhum inventou a moralidade”.

Todas essas novas noções refletem a verdade da Bíblia. No entanto, apesar de toda a proximidade dessa verdade, acabam-se tirando conclusões erradas, porque a Palavra de Deus é excluída de antemão. Assim, por exemplo, também se diz que “essa rede de moralidade foi entretecida pela evolução na anatomia cerebral do ser humano”.

“Aproximemo-nos com um coração sincero, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e o corpo lavado com água pura” (Hb 10.22).

O ser humano tem a noção de bem e mal desde a queda no pecado. No livro de Gênesis, lemos que “o Senhor Deus plantou um jardim no Éden, na direção do Oriente, e pôs nele o homem que havia formado. Do solo o Senhor Deus fez brotar todo tipo de árvores agradáveis à vista e boas para alimento; e também a árvore da vida no meio do jardim e a árvore do conhecimento do bem e do mal. E o Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar. E o Senhor Deus ordenou ao homem: ‘De toda árvore do jardim você pode comer livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal você não deve comer; porque, no dia em que dela comer, você certamente morrerá... Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou do seu fruto e comeu; e deu também ao marido, e ele comeu. Então os olhos de ambos se abriram; e, percebendo que estavam nus, costuraram folhas de figueira e fizeram cintas para si” (Gn 2.8-9,15-17; 3.6-7). Antes daquilo, o ser humano vivia impoluto e inocente, e por isso não conhecia a sensação de vergonha: “Ora, um e outro, o homem e sua mulher, estavam nus e não se envergonhavam” (Gn 2.25). A desobediência dos primeiros seres humanos diante de um mandamento de Deus resultou numa culpa contaminante e na capacidade de distinguir entre o bem e o mal. Com isso, o ser humano passou a poder escolher o bem e a rejeitar o mal. Para isso, a consciência foi uma ajuda confiável. Embora antes disso o homem já soubesse o que deveria fazer e o que deixar de fazer, ele não tinha noção de bem e mal. Se Adão e Eva tivessem obedecido a Deus, teriam sido guardados do mal e teriam vivido para sempre (cf. Gn 3.22). Os “fatores hereditários” pecaminosos dos primeiros pais também foram transmitidos aos seus filhos (seu primogênito Caim assassinou seu irmão Abel; Gn 4.8). Assim, o pecado e seu salário, a morte (Rm 6.23), vão sendo transmitidos de geração em geração, mas da mesma forma também a consciência e a profunda noção da existência de Deus. Por isso não é de admirar que mesmo bebês já percebam essa consciência. Em Romanos 1.19-20 lemos: “Pois o que se pode conhecer a respeito de Deus é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, isto é, o seu eterno poder e a sua divindade, claramente se reconhecem, desde a criação do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que Deus fez. Por isso, os seres humanos são indesculpáveis”.

A Bíblia registra que o ser humano é mau desde a juventude (cf. Gn 8.21) e que, por isso, também necessita de educação: sua consciência já existente precisa ser moldada. A consciência é algo como o “advogado de acusação de Deus”. Ela nos revela o pecado e nos condena. A consciência é em nós uma prova imanente da existência e santidade de Deus e quer induzir-nos a confessar-lhe o nosso pecado e obter perdão. Quem tenta esconder o seu pecado diante de Deus pode chegar a adoecer fisicamente, como o salmista Davi: “Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia. Porque a tua mão pesava dia e noite sobre mim, e o meu vigor secou como no calor do verão” (Sl 32.3-4). A respeito desses versículos, o teólogo Hans Bruns comenta em sua tradução da Bíblia: “O cantor fala com comovente franqueza a respeito da pesada luta íntima pela qual ele passou: haviam ocorrido múltiplos pecados, e ele estava consciente disso. Ele também sabia que somente uma franca confissão diante de Deus o ajudaria. Mas ele não queria (ou não conseguia). Embora suspirasse, o sono lhe fugia. Aquilo o fez adoecer, mas ele reagia contra a confissão da sua culpa. Ele também indica o motivo dessa intranquilidade íntima e do seu sofrimento físico: a mão de Deus – a sensação da ira de Deus não lhe dava descanso, e ele sofria a tortura da consciência pesada (milhares têm experimentado o mesmo)”. Como Davi não conseguia suportar mais aquilo, ele se humilhou debaixo da poderosa mão de Deus: “Confessei-te o meu pecado e a minha iniquidade não mais ocultei. Eu disse: ‘Confessarei ao Senhor as minhas transgressões’; e tu perdoaste a iniquidade do meu pecado” (v 5).

Toda pessoa que sofre com o peso da sua consciência precisa saber que nem a psicologia, nem os modernos conhecimentos podem ajudá-la. Ao mesmo tempo, porém, pode reconhecer que o sangue de Jesus Cristo, ou seja, o perdão em Cristo, tem o poder de libertar da consciência pesada e sobrecarregada, para que daí em diante ele possa servir a Deus. Sobre isso, a carta aos Hebreus diz: “Muito mais o sangue de Cristo, que, pelo Espírito eterno, a si mesmo ofereceu sem mácula a Deus, purificará a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo!” (Hb 9.14). Essa verdade já se encontra há quase dois mil anos na Bíblia, mas quem a aceitar apenas intelectualmente, sem crer nela de coração, não terá sua consciência purificada, porque “sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11.6). A Bíblia não somente nos coloca diante da maravilhosa possibilidade do perdão pela fé em Jesus Cristo, mas também nos desafia diretamente a lançar mão desse perdão de modo bem prático: “Aproximemo-nos com um coração sincero, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e o corpo lavado com água pura” (Hb 10.22).

Nota

  1. “Das Böse im Guten: Die Biologie von Moral und Unmoral”, Der Spiegel, 30 de jul. de 2007.

 

Norbert Lieth é autor e conferencista internacional. Faz parte da liderança da Chamada na Suíça.

sumário Revista Chamada Agosto 2023

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