Entendendo o Oitavo Mandamento

Recado do Editor Sebastian Steiger

A única maneira de corretamente entendermos tanto o conteúdo quanto a aplicação atual dos Dez Mandamentos é estudar o contexto original da entrega deles ao povo de Israel no monte Sinai, em Êxodo 20. É exatamente isso que Benjamin Lange faz neste livro. Contudo, ele não para por aí, mas, após tal análise essencial, propõe diversos princípios para os nossos dias. Trata-se de uma leitura recomendadíssima para quem já se perguntou sobre a necessidade de cumpri-los ou como eles foram entendidos desde o princípio.

Roubo é roubo

O oitavo mandamento talvez seja o mais fácil de entender e também aquele que não dá margem para mal-entendidos. Aqui, excepcionalmente, não precisamos olhar para o significado de palavras hebraicas ou sutilezas gramaticais. “Não furte” significa simplesmente: “Não furte”! Mas, embora seja tão facilmente compreensível e até hoje soe como algo óbvio, esse mandamento contém um princípio muito importante, sem o qual a convivência humana não seria possível: o direito à propriedade. Por que isso é tão importante? A propriedade pessoal está ligada a outros valores decisivos para a convivência, para o crescimento e, em última análise, para o cumprimento do encargo recebido na Criação. Por meio do oitavo mandamento, Deus protege, assim, toda uma série de princípios.

O valor do trabalho pessoal

Em primeiro lugar, Deus protege o valor do trabalho pessoal. Sem propriedades, o trabalho pessoal não tem contrapartida equivalente. Com isso, ele perde uma motivação essencial, pois já não vale mais a pena desfrutar dos resultados do próprio trabalho.1 Quem não extrai valor do próprio trabalho em geral logo ficará desmotivado. Só quando a propriedade permanece de posse daquele que a adquiriu com seu trabalho, sem ser subtraída e furtada por outros, é que o trabalho passa a valer a pena. Além disso, o oitavo mandamento também valoriza o trabalho de longo prazo, pois somente em uma sociedade que protege a propriedade pessoal contra o roubo é possível que alguém faça planos confiáveis e trabalhe com objetivos de longo prazo. Mais que isso, a proibição de roubar faz do trabalho até mesmo algo necessário, e isso para cada indivíduo. Já no quarto mandamento aludia-se ao fato de que o trabalho tem seu lugar na vida. A Criação previu, desde o princípio, esse trabalho do ser humano (Gn 2.15), que no sétimo mandamento é valorizado, honrado e protegido por Deus. Quem furta despreza o valor do trabalho e, com isso, a tarefa que Deus deu ao ser humano. Deus quer proteger os israelitas contra isso. Essa proteção naturalmente vale, em primeiro lugar, para aquele que do contrário sofreria o roubo. Mas também vale para aquele que pretende roubar, pois ele mesmo será prejudicado caso não atinja o objetivo que Deus planejou para o ser humano.

Proteção para os fracos

Como nos demais mandamentos, também o oitavo é, acima de tudo, uma proteção para os fracos. Isso fica claro quando nos perguntamos quem poderia cometer roubos. Em geral, trata-se da pessoa mais forte ou mais esperta, capaz de abusar de outra. O mandamento dirige-se àquele que quer e pode roubar e assim explora alguém mais vulnerável. Dessa forma, se um israelita não roubasse descaradamente, mas explorasse seus subordinados sem qualquer compaixão, isso também representaria uma inversão do mandamento. Mas a questão vai mais longe: não seria possível já considerar como uma forma de roubo a situação em que alguém é indiretamente responsável pelo prejuízo do outro? Por exemplo, quando não se devolve algo que foi perdido? É interessante que justamente esse caso seja tratado no Livro da Aliança: “Se você encontrar desgarrado o boi ou o jumento do seu inimigo, leve-o sem falta de volta para ele” (Êx 23.4). Dessa forma, o oitavo mandamento representa todos os outros casos em que a propriedade alheia é tomada, desprezada ou retida. A pior transgressão nessa área é o roubo, por isso é dele que os Dez Mandamentos tratam. Mas todas as transgressões menores relacionadas à propriedade são abrangidas por ele.

Deus e propriedade

Também o oitavo mandamento está estreitamente ligado ao contexto da aliança do Sinai e da saída do Egito. Ao tirar Israel do Egito, Deus tinha, figurativamente, comprado a liberdade do povo. Por isso, o povo era agora sua propriedade especial, como já se diz no anúncio da aliança (Êx 19.5). Nessa passagem, usa-se uma palavra muito especial para “propriedade peculiar”, que em outros lugares se refere a um tesouro especialmente valioso, a saber, o tesouro particular do rei (1Cr 29.3; Ec 2.8). O rei podia governar e dispor de toda a sua nação, mas esse tesouro era sua propriedade pessoal e mais valiosa, destinada a demonstrar toda a sua glória.2 Com isso, Deus expressa o valor que Israel tem aos seus olhos. Em nenhuma circunstância, ele entregará o povo a outros ou permitirá que estes o arranquem de suas mãos – foi exatamente isso que ele provou ao conduzir Israel para fora do Egito (Êx 4.22-23; 14.13-14; 15.16). Deus defende e protege sua propriedade. É exatamente isso que constitui a grande felicidade dos salvos, selada para todos os tempos pela promessa de Deus: eles lhe pertencem, e ele cuida deles. Não há poder no mundo que possa tirá-los de suas mãos (cf. Jo 10.28-29). Por isso, a propriedade é, em primeiro lugar, algo que pertence a Deus. Está relacionada a responsabilidade e cuidado. Nesse contexto, pode-se perceber o sentido do oitavo mandamento: Israel deve refletir no dia a dia o que Deus faz na vida daqueles a quem salvou. Isso significa, em primeiro lugar: quem foi salvo por Deus – e isso inclui também os bens dessa pessoa – não pode ser tocado por outro. Por outro lado, também vale: quem foi salvo por Deus e recebeu dele o necessário para viver não pode se dar o direito de roubar algo de outro salvo. Isso seria um pecado duplo, pois denotaria não apenas ingratidão em relação à própria salvação, mas interferiria no direito de propriedade de Deus, a quem o outro com suas posses também pertencem.

Você não precisa roubar

Em um nível ainda mais profundo, o fato de o próprio Deus ser o melhor exemplo coloca a propriedade no âmbito do relacionamento de amor e cuidado dedicado ao seu povo. Como em última análise todos os israelitas, na qualidade de salvos, e todos os bens materiais de Israel pertencem a Deus, ele é quem melhor sabe cuidar dessa propriedade. Quem rouba está desconfiando de sua provisão e indica que não se acha cuidado por Deus. Demonstra insatisfação e ganância de ter mais do que Deus lhe entregou. Esse é o princípio do pecado original, que resultou na maldição do pecado que recaiu sobre toda a humanidade. Também o comportamento do primeiro casal no jardim do Éden expressou que Deus os privava de algo bom, sendo marcado pela ganância por coisas que iam além daquilo que Deus já lhes dera (cf. Gn 3.5-6). Assim, há uma verdade muito simples por trás do oitavo mandamento: Deus cuida tão bem dos seus que o roubo é desnecessário. Só quem confia nessa provisão consegue deixar de ficar enviesando os olhos para as posses do próximo. Nesse sentido, o mandamento também poderia dizer: você não precisa roubar, pois eu lhe dou tudo de que você precisa.

Notas

  1. Esse é um princípio do Antigo Testamento (cf. Dt 20.6; 25.4; Pv 27.18), também apresentado em muitas passagens do Novo Testamento (Lc 10.7; 1Co 9.7-10; 1Tm 5.18; 2Tm 2.6).
  2. Ernst Jenni e Claus Westermann, Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament, vol. 2 (Gütersloh: Gütersloher Verlagshaus, 2004), p. 142-143.
Os Dez Mandamentos

Benjamin Lange é professor de teologia e membro da comissão de tradução da versão bíblica alemã Elberfelder.

sumário Revista Chamada Maio 2023

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