Reagindo a falsos e verdadeiros ensinos

1ª Carta a Timóteo | Parte 11 | 1Timóteo 4.1-5

Uma interpretação da primeira carta de Paulo a Timóteo, por Norbert Lieth.

1O Espírito diz claramente que nos últimos tempos alguns abandonarão a fé e seguirão espíritos enganadores e doutrinas de demônios. 2Tais ensinamentos vêm de homens hipócritas e mentirosos, que têm a consciência cauterizada 3e proíbem o casamento e o consumo de alimentos que Deus criou para serem recebidos com ação de graças pelos que creem e conhecem a verdade. 4Pois tudo o que Deus criou é bom, e nada deve ser rejeitado, se for recebido com ação de graças, 5pois é santificado pela palavra de Deus e pela oração.

Observando melhor, conclui-se que a expressão “nos últimos tempos” (v. 1) não se refere ao final dos tempos. Antes disso, o Espírito Santo anunciou profeticamente que falsas doutrinas haveriam de se infiltrar no cristianismo no decorrer dos anos e constituiriam um perigo durante toda a era da igreja, esta que, por sua vez, desembocaria no fim dos tempos.

De fato, foi o que aconteceu já logo após a partida do apóstolo. A doutrina espiritual pregada originalmente pelos apóstolos foi abandonada muito cedo e em seu lugar surgiram certas “doutrinas suplementares”.

As coisas que muitas vezes são interpretadas como genuinamente cristãs, que são interpretadas como consagração sincera ou consideradas como uma busca especial pela santidade, a Bíblia denomina de “apostasia da fé”. Não somente a amizade do mundo ou uma vida em pecados graves é apostasia, mas mesmo qualquer desvio da doutrina verdadeira, por menor que seja.

Entre outros, o celibato e a proibição de comer carne às sextas-feiras fazem parte disso. Pode-se acrescentar, ainda, a proibição de comer carne suína, a santificação do sábado, a comemoração de festas judaicas, que são costumes extraídos da lei judaica, além da realização de ritos e posturas corporais. Por exemplo, sabemos de alguns cristãos que, com veemência, observam o sábado e afirmam que falta o selo do Espírito Santo para aqueles que não o fazem. Outros usam os mantos judaicos para a oração sobre os ombros e os quipás sobre as cabeças, ou comemoram a Festa do Tabernáculo. Não há nenhum problema em fazer isso particularmente. Também devemos admitir que judeus crentes residentes em Israel precisam atender certas coisas que não são exigidas dos cristãos das demais nações. Quem, no entanto, considera esses costumes como dogma, exigindo que outros os observem, ou que imagina estar buscando a santificação através deles e que assim se aproxima mais de Deus, não se dá conta que acontece justamente o contrário (cf. p. ex.: Gl 4.9-10; Cl 2.4-8,20-23; Rm 14.5).

A Palavra de Deus trata esses assuntos com muito mais seriedade do que o cristianismo o faz. Os cristãos já se acostumaram e toleram essas doutrinas especiais ou suplementares. Não são mais consideradas com a devida seriedade. Em muitos lugares caminha-se lado a lado com aqueles que defendem tais posicionamentos. Encontra-se nomes condizentes, como “doutrina cristã”, “doutrina da igreja”, “doutrina dos pais da fé” ou “visão de organizações pró-Israel” etc. A Bíblia, no entanto, é muito mais radical com o assunto, pois o considera como distorções da doutrina. “O Espírito diz claramente” (v. 1) significa que se trata de uma exortação que, por sua seriedade, não pode ser desconsiderada. A Bíblia chama essas atitudes de “apostasia da fé”. São promovidas por “espíritos enganadores” e são “doutrinas de demônios”. A Bíblia as classifica como hipocrisias e mentiras de pessoas “que têm a consciência cauterizada”. Em outras passagens, fala-se de orgulho (1Tm 6.4; Cl 2.18), uma “mente carnal” (Cl 2.18), “tradições humanas” (Cl 2.8), “princípios elementares deste mundo” (Cl 2.8), “aparência de sabedoria” (Cl 2.23), “pretensa religiosidade” (Cl 2.23), “severidade com o corpo” (Cl 2.23), de acordo com “mandamentos e ensinos humanos” (Cl 2.22).

Essas expressões indicam que, toda vez que a doutrina bíblica é afetada de alguma forma, não há o mínimo de tolerância, e nos exortam a nos mantermos agarrados às afirmações da Bíblia.

Paulo nos explica nos versículos 4-5 de 1Timóteo 4: “Pois tudo o que Deus criou é bom, e nada deve ser rejeitado, se for recebido com ação de graças, pois é santificado pela palavra de Deus e pela oração”. Tais palavras nos trazem um certo conforto em uma época em que tantas coisas são questionadas: “‘Não manuseie!’, ‘Não prove!’, ‘Não toque!’” (Cl 2.21).

O homem tem a tendência de complicar aquilo que Deus simplificou. Do mesmo modo, é comum considerar Deus como um severo proibidor ao invés de ver nele o Senhor que, em seu amor por nós, proporciona graciosamente tudo o que é bom.

O apóstolo Paulo enfrenta as falsas doutrinas demoníacas com a verdade bíblica, dizendo que tudo o que Deus criou é fundamentalmente bom e nada é desprezível. Assim, por exemplo, Deus instituiu o matrimônio e criou todos os alimentos para proveito das pessoas.

“Pois tudo o que Deus criou é bom, e nada deve ser rejeitado, se for recebido com ação de graças.” (1Tm 4.4)

“Então o Senhor Deus declarou: ‘Não é bom que o homem esteja só; farei para ele alguém que o auxilie e lhe corresponda’” (Gn 2.18). “Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra’” (Gn 1.28).

Antes da aliança mosaica, Deus não havia determinado nenhuma limitação a Noé quanto aos animais; somente deveriam se resguardar do sangue: “Tudo o que vive e se move servirá de alimento para vocês. Assim como dei a vocês os vegetais, agora dou todas as coisas. Mas não comam carne com sangue, que é vida” (Gn 9.3-4). Porém, após a aliança mosaica (que envolvia somente Israel), lemos as palavras ditas a Pedro: “A voz lhe falou segunda vez: ‘Não chame impuro ao que Deus purificou’” (At 10.15).

De um modo geral, pode-se resumir isso dizendo: “A comida, porém, não nos torna aceitáveis diante de Deus; não seremos piores se não comermos, nem melhores se comermos” (1Co 8.8).

Em todo caso, os versículos 4-5 mencionam três coisas que deveríamos considerar com prioridade máxima: gratidão, Palavra de Deus e oração.

– Pela gratidão recebemos, com fé e confiança, tudo aquilo que Deus criou e, em sua providência, colocou à nossa disposição;

– Obedecendo à sua Palavra, conseguimos nos manter livres de qualquer doutrina ou tradição humana, e não nos tornamos escravos de homens;

– Através da Palavra de Deus e da oração são santificados tanto o matrimônio como os alimentos, isto é, separados. E não há absolutamente nada reprovável neles.

Paulo contesta as falsas doutrinas com o argumento de que todas as coisas por elas proibidas são, na verdade, motivo de adoração, louvor e gratidão ao Senhor por parte de um cristão obediente à Bíblia. O que os homens consideram “pecado” de fato é santificado ao Senhor. Vemos, assim, que para Deus tudo é diferente! O que de fato deveria ter absoluto primeiro lugar é a oração de gratidão, vinda do fundo do coração, por tudo que Deus nos concede. No entanto, isso é o que menos acontece. Qual é o destaque que a gratidão e a oração recebem entre nós?

Norbert Lieth é autor e conferencista internacional. Faz parte da liderança da Chamada na Suíça.

sumário Revista Chamada Fevereiro 2020

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