A mentira do “bloqueio de Gaza”

Ao que parece, a ONU, a Autoridade Nacional Palestiniana (ANP) e outros são adeptos convictos de Mark Twain, que consta ter dito certa vez que “a verdade jamais deverá impedir uma boa história”.

Em uma lista literalmente interminável de publicações, as Nações Unidas insistem em apontar para um pretenso “bloqueio da Faixa de Gaza” por parte de Israel. Invocando essas declarações da ONU, outros ainda enfeitam essa ilusão ao afirmar que “Gaza é o maior presídio do mundo”. Ambas as declarações são usadas para atacar Israel e apresentar os habitantes da Faixa de Gaza como vítimas, presas da política israelense.

A liderança da ANP, por sua vez, papagueia a retórica da ONU. Assim, por exemplo, o primeiro-ministro da ANP, Muhammad Shtayyeh, falou ao Comitê de Comunicação ad hoc para solicitar donativos à comunidade internacional sobre a necessidade de se acabar com o “duro sítio da Faixa de Gaza”.

O que torna a citação de Twain tão relevante é o fato de que as estatísticas publicadas por ninguém menos do que a própria ONU desmentem a afirmação dela mesma.

“Não existe nenhuma obrigação legal ou moral segundo a qual Israel seria o único país do mundo obrigado a ter fronteiras abertas.” “Não existe nenhuma obrigação legal ou moral segundo a qual Israel seria o único país do mundo obrigado a ter fronteiras abertas.”

A Faixa de Gaza localiza-se entre Israel, o Egito e o Mar Mediterrâneo, dispondo de uma passagem fronteiriça principal para o Egito – a de Rafah – e de uma segunda passagem fronteiriça em Salah Al-Din. Pela passagem de Rafah atravessam tanto pessoas como mercadorias, enquanto Salah Al-Din é limitado ao transporte de combustível e mercadorias. A Faixa de Gaza também dispõe de duas passagens fronteiriças voltadas a Israel – Erez e Kerem Shalom. Enquanto o posto de Erez é usado para o trânsito de pessoas a Israel, o posto de Kerem Shalom destina-se à transferência de bens, combustíveis e outras coisas.

Contrariamente às afirmações das Nações Unidas e do premiê da Autoridade Nacional Palestiniana, Shtayyeh, o site da agência das Nações Unidas para a coordenação de questões humanitárias nas assim chamadas “áreas palestinas ocupadas” (OCHAoPt) registrou, só no ano de 2021, 358 366 saídas e entradas na Faixa de Gaza. Essas cifras referem-se apenas ao trânsito de pessoas, não ao transporte de mercadorias e combustíveis.

Um detalhamento das cifras da ONU revela que, em 2021, ocorreram 100 246 saídas e 80 684 entradas pelo posto de Rafah entre a Faixa de Gaza e o Egito, além de 90 421 saídas e 87 015 entradas pelo posto de Erez entre a Faixa de Gaza e Israel.

Em 2019, ocorreram cerca de 522 mil saídas e entradas na Faixa de Gaza (140 mil saídas e entradas na Faixa de Gaza via Rafah e 382 mil saídas e entradas na Faixa de Gaza pela passagem fronteiriça de Erez).

Mesmo durante o ano de 2020, quando as viagens internacionais ficaram restritas, ainda ocorreram cerca de 173 mil saídas e entradas na Faixa de Gaza (cinquenta mil saídas e entradas via Rafah e cerca de 123 mil saídas e entradas pela passagem fronteiriça de Erez).

O trânsito de pessoas para dentro e para fora da Faixa de Gaza através das passagens de Rafah e Erez distingue-se do trânsito de mercadorias e combustíveis, que passa pelos postos de Rafah e Salah Al-Din do Egito e o posto de Kerem Shalom de Israel.

Os críticos ainda poderiam argumentar que, embora tenham ocorrido centenas de milhares de entradas e saídas para e da Faixa de Gaza, o número de pessoas em viagem é muito menor do que o daquelas que requerem uma autorização, e que assim a política de Israel continuaria e constituir um “bloqueio da Faixa de Gaza”.

Essa crítica é tão infundada quanto a própria afirmação.

Primeiro: Israel não é responsável pela política do Egito.

“Tal como qualquer outro país, Israel tem o direito de decidir quem, quantos, quando e sob que condições estrangeiros poderão entrar em seu território.”

Em segundo lugar, não existe nenhuma obrigação legal ou moral segundo a qual Israel seria o único país do mundo obrigado a ter fronteiras abertas. Tal como qualquer outro país, Israel tem o direito de decidir quem, quantos, quando e sob que condições estrangeiros poderão entrar em seu território. A Faixa de Gaza é governada por uma organização terrorista internacionalmente classificada como assassina, que só em maio de 2021 disparou 4 500 mísseis contra Israel, que atingiram indiscriminadamente a população civil israelense. Falar em “bloqueio da Faixa de Gaza” por Israel só porque este não concorda em permitir que um número ilimitado de moradores de Gaza – dentre os quais numerosos possíveis terroristas que ingressam em Israel com o objetivo de causar-lhe danos – possam entrar no país, é simplesmente ridículo.

Outros também poderão criticar o bloqueio naval da Faixa de Gaza. A esses críticos pode-se responder com a indicação para os respectivos comentários do relatório da comissão investigadora do secretário-geral da ONU a respeito do incidente naval em 31 de maio de 2010, sob a direção de Sir Geoffrey Palmer, que, antes de afirmar que “o bloqueio naval de Israel foi legal”, constata:

Posto de Erez, terminal de pedestres e cargas, situado na fronteira de Israel com a Faixa de Gaza Foto: WikipediaPosto de Erez, terminal de pedestres e cargas, situado na fronteira de Israel com a Faixa de Gaza Foto: Wikipedia

“Nesse ponto há necessidade de uma palavra de esclarecimento. O bloqueio naval é muitas vezes discutido no contexto das restrições israelenses aos deslocamentos transfronteira para Gaza. Na opinião da comissão, porém, trata-se de duas questões diferentes, que requerem tratamento e análise diferenciados. Primeiramente, registramos que a política do trânsito fronteiriço já estava em vigor muito antes do bloqueio naval. O maior rigor nos controles de fronteira entre a Faixa de Gaza e Israel passou a vigorar depois que o Hamas assumiu o poder em Gaza em junho de 2007. Já o bloqueio naval foi determinado mais de um ano depois, em janeiro de 2009. Em segundo lugar, Israel sempre faz distinção entre o bloqueio naval e sua política relativa ao trânsito fronteiriço terrestre. A intensidade das restrições terrestres tem oscilado ao longo do tempo, mas o bloqueio naval não mudou desde a sua decretação. Terceiro, o bloqueio naval foi determinado como medida legal autônoma principalmente para fornecer a Israel uma base fundamentada para o controle de navios que tentam ter acesso à Faixa de Gaza com armas e bens similares. Tratou-se de uma reação a certos incidentes nos quais navios chegaram até a Faixa de Gaza por via marítima. Consideramos por isso o bloqueio naval como uma medida distinta dos controles nas passagens fronteiriças terrestres”.

Como a própria ONU confirmou a legalidade do bloqueio naval da Faixa de Gaza e este manifestamente teve efeitos diminutos sobre a movimentação para dentro e para fora daquele território, a ONU não pode exigir que Israel seja o único país a ser impedido de adotar medidas legais legítimas que todos os outros países do mundo podem aplicar.

Como as cifras publicadas pelas próprias Nações Unidas desautorizam a afirmativa do “bloqueio da Faixa de Gaza”, seja por Israel ou pelo Egito, cabe perguntar por que a ONU sustenta essa mentira.


Maurice Hirsch serviu 19 anos nas Forças de Defesa de Israel e é especialista em direito internacional com foco no julgamento de terroristas, na Autoridade Palestina e na lei internacional aplicada à Judeia e Samaria.

 

sumário Revista Chamada Junho 2022

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