Ele era realmente Deus?

No Getsêmani, Jesus disse aos que o foram prender: “Sou eu”. Essa palavra e muitas outras passagens na Escritura Sagrada respondem inequivocamente à questão da sua divindade.

Sabe-se que não há nada de novo debaixo do sol, e assim também não é de admirar que a divindade do Senhor Jesus seja intensamente controvertida. O Islã a contesta do mesmo modo como o judaísmo. Outras comunidades religiosas e seitas a desmentem, os ateus evidentemente também e, por incrível que pareça, até mesmo dentro da religião amorfa do assim chamado cristianismo se discute a respeito. Essas discussões sempre ocorreram. Assim, já na época das igrejas primitivas havia uma corrente que questionava a divindade de Jesus. No caso, não se questionava a personalidade histórica de Jesus: as testemunhas do seu tempo eram por demais confiáveis para que se pudesse negar a própria vida e a obra de Jesus, mas a respeito da sua posição, da sua categoria e de sua importância havia fortes controvérsias – e até hoje isso não mudou ao longo da história eclesiástica. Examinemos então algumas declarações da Escritura Sagrada que comprovam a divindade do homem Jesus de Nazaré, do Senhor crucificado em nosso favor.

“O Filho do Homem mandará os seus anjos, que ajuntarão do seu Reino todos os que servem de pedra de tropeço e os que praticam o mal” (Mt 13.41). À primeira vista, nada se parece dizer aí sobre a divindade de Jesus, mas observe-se: quem fala aqui é o próprio Jesus, expondo aos seus discípulos a parábola do joio no campo. Jesus fala de si mesmo (o Filho do Homem) e de que ele enviará seus anjos. Que homem, pergunto, possui anjos que pudesse enviar? Além disso, a Escritura Sagrada diz que os anjos são seres à disposição de Deus (Hb 1.6,14). Portanto, Jesus deve ser Deus, caso contrário ele não poderia dar ordens a anjos, falar dos seus anjos e enviá-los.

Vejamos um outro comprovante: “No princípio, Deus criou os céus e a terra” (Gn 1.1). Nessa questão todas as religiões concordam. Qualquer judeu, qualquer muçulmano e também qualquer cristão crente confirmará esta constatação: o Deus onipotente é o Criador dos céus e da terra. Salmo 33.6 diz: “Os céus por sua palavra se fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exército deles”. Registremos esta declaração: os céus foram feitos “pela palavra” do Senhor. O Novo Testamento – e é isso que o distingue de todas as outras religiões – fornece as mais diversas indicações de Jesus ter participado da Criação.

“Antigamente, Deus falou, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, mas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo qual também fez o universo” (Hb 1.1-2). “Ainda, quanto aos anjos, diz: ‘Aquele que a seus anjos faz ventos, e a seus ministros, labareda de fogo’. Mas, a respeito do Filho, diz: ‘O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre; cetro de justiça é o cetro do teu reino. Amaste a justiça e odiaste a iniquidade; por isso, Deus, o teu Deus, te ungiu com o óleo de alegria como nenhum dos teus companheiros.’ Diz ainda: ‘No princípio, Senhor, lançaste os fundamentos da terra, e os céus são obra das tuas mãos’” (Hb 1.7-10).

Lembremos de João 1.1: “No princípio era o Verbo” – até aí, essa declaração ainda coincide com o relato da Criação de Gênesis e do salmo 33. João, porém, continua, dizendo: “... e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”. Finalmente, no versículo 14, João atribui tudo isso a Jesus Cristo, o Verbo encarnado de Deus: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos sua glória, glória como do unigênito do Pai”. O Novo Testamento de modo nenhum contradiz o Antigo Testamento, mas é sua exposição e cumprimento. É fundamental que nunca possamos entender bem o Antigo Testamento sem o Novo. Quem se limita ao Antigo Testamento, carecerá do essencial – a solução ou o cumprimento.

“Ele [Jesus Cristo] é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação. Pois nele foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele tudo subsiste” (Cl 1.15-17).

 “Jesus jamais poderia ter participado da Criação como homem, mas o Novo Testamento ensina inequivocamente que Jesus é o Criador, de modo que ele necessariamente é Deus.”

Jesus jamais poderia ter participado da Criação como homem, mas o Novo Testamento ensina inequivocamente que Jesus é o Criador, de modo que ele necessariamente é Deus – e foi exatamente assim que os sacerdotes e escribas do seu tempo o interpretaram e então se indignaram violentamente quando Jesus disse: “... antes que Abraão existisse, Eu Sou”. Como seria possível isso se Jesus não passasse de homem? Afinal, Abraão viveu dois mil anos antes de Jesus. Diante disso, consta que “pegaram pedras para atirar nele” (Jo 8.58-59).

Por quê? Porque aquele filho de carpinteiro talvez estivesse maluco? Não: porque entenderam o que Jesus lhes deu a entender com isso: Eu sou Deus! E aos olhos da liderança religiosa, aquilo era a mais pura blasfêmia contra Deus.

Permaneçamos mais um pouco na descrição de Jesus como a Palavra de Deus encarnada. Quando se diz que “no princípio era o Verbo”, isso testifica a eternidade do Filho de Deus. O Filho estava presente desde o princípio, eternamente, como o próprio Deus. “O Verbo estava com Deus”. Aqui vemos novamente uma distinção. Por um lado, o Verbo é o próprio Deus, mas ele também se distingue do Pai. Aqui se revela plenamente o mistério da Trindade. Um só Deus, mas em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo – e esse mistério da Trindade, que em nossa limitação humana jamais compreenderemos plenamente, temos de manter em vista quando se tratar da divindade de Jesus: “... e o Verbo era Deus”.

Examinemos mais um outro aspecto. Deus diz por meio de Isaías: “Eu, eu mesmo, sou o que apago as suas transgressões por amor de mim; dos pecados que você cometeu não me lembro” (Is 43.25). “Desfaço as suas transgressões como a névoa e os seus pecados, como a nuvem; volte para mim, porque eu o remi” (Is 44.22). Esses textos tratam da futura redenção de Israel, mas vemos neles o princípio do perdão dos pecados e constatamos que somente o próprio Deus pode perdoar pecados, e foi exatamente isso de que os eruditos e sacerdotes judeus acusaram Jesus quando ele assegurou o perdão dos pecados a um aleijado (Mc 2.5-12). Para eles, aquela pretensão do filho do carpinteiro de Nazaré era algo insólito. Uma insuperável blasfêmia! Um incomparável escândalo! Com aquilo, Jesus sublinhou claramente sua condição exclusiva de divindade. Vamos a uma outra prova:

“Quando o Filho do Homem vier na sua majestade e todos os anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória. Todas as nações serão reunidas em sua presença, e ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos: porá as ovelhas à sua direita e os cabritos, à sua esquerda” (Mt 25.31-33). Jesus esclarece que, no fim dos tempos, ele julgará os povos gentios. Isto também depõe a favor da divindade de Jesus, porque o Antigo Testamento declara que Deus mesmo é o juiz. “Porque o Senhor é o nosso juiz, o Senhor é o nosso legislador, o Senhor é o nosso Rei; ele nos salvará” (Is 33.22). Examinemos essas declarações uma por uma:

O Senhor é o nosso juiz”. Jesus designa a si mesmo como juiz, e o livro de Atos testifica o mesmo: “E nós somos testemunhas de tudo o que ele fez na terra dos judeus e em Jerusalém. Depois eles o mataram, pendurando-o num madeiro. Mas Deus o ressuscitou no terceiro dia e concedeu que fosse manifesto, não a todo o povo, mas às testemunhas que foram anteriormente escolhidas por Deus, isto é, a nós que comemos e bebemos com ele, depois que ressurgiu dentre os mortos. Jesus nos mandou pregar ao povo e testemunhar que ele foi constituído por Deus como Juiz de vivos e de mortos” (At 10.39-42).

O Senhor é nosso legislador”. Por meio do Senhor (Javé), o povo de Israel recebeu a lei no monte do Sinai. O Novo Testamento confirma que Jesus é o cumprimento da lei (Rm 8; Gl 5.4-18; Jo 1.17). A carta aos Romanos também fala de uma nova lei (Rm 3.27-28), a saber: a lei da fé em Jesus Cristo. Assim, Jesus esteve presente como pessoa da Trindade tanto na legislação para o povo de Deus no deserto como também na qualidade daquele que deu à sua igreja uma nova lei.

O Senhor é o nosso Rei”. Apocalipse mostra que Jesus, o Cordeiro de Deus que leva o pecado do mundo, não é somente Senhor, mas o Senhor de todos os senhores (Ap 17.14) – e esse Jesus não é apenas Rei, mas o Rei de todos os reis (Ap 19.16).

“Ele nos salvará!” Quem salvará? Jesus é o Salvador. Jesus é o Redentor prometido no Antigo Testamento. Não há como contornar o Senhor crucificado. “Portanto, toda a casa de Israel esteja absolutamente certa de que a este Jesus, que vocês crucificaram, Deus o fez Senhor e Cristo” (At 2.36; cf. Rm 10.9; Fp 3.20).

Vejamos o significado do nome “Javé”, que no Antigo Testamento é muitas vezes traduzido em português como “Senhor” (como em Is 33.22). Foi com esse nome que o Pai celestial se deu a conhecer a Moisés quando este perguntou pelo nome de Deus.

“Moisés disse para Deus: ‘Eis que, quando eu for falar com os filhos de Israel e lhes disser: “O Deus dos seus pais me enviou a vocês”, eles vão perguntar: “Qual é o nome dele?” E então o que lhes direi?’ Deus disse a Moisés: ‘Eu sou o que sou.’ Disse mais: ‘Assim você dirá aos filhos de Israel: “Eu Sou me enviou a vocês”’. Deus disse ainda mais a Moisés: ‘Assim você dirá aos filhos de Israel: “O Senhor, o Deus dos seus pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, me enviou a vocês. Este é o meu nome eternamente, e assim serei lembrado de geração em geração”’” (Êx 3.13-15).

“Eu sou” é o nome divino hebraico “Javé”. Não só “Eu sou o que sou”, mas também: “Eu sou o que era” e “Eu sou o que serei”. Isso torna compreensível o escândalo do sumo sacerdote quando Jesus respondeu à pergunta sobre ele ser o Filho de Deus, dizendo “Eu sou”.

“Eu sou” é o nome divino hebraico “Javé”. A tradução “Eu sou o que sou” expressa apenas aproximadamente o que Javé realmente significa. Abraham Meister escreve a respeito disso em seu livro Namen des Ewigen [Nomes do Eterno]: “Javé é o ‘eu’ absoluto em sua máxima plenitude divina”. Não só “Eu sou o que sou”, mas também: “Eu sou o que era” e “Eu sou o que serei”. Deus é o Eu fora do tempo e do espaço. Grandioso e inacessível à nossa mente humana!

Isso também torna compreensível o escândalo do sumo sacerdote quando Jesus respondeu à pergunta sobre ele ser o Filho de Deus, dizendo “Eu sou” (Mc 14.62). Com as mesmas palavras Jesus respondeu quando foi preso no Jardim do Getsêmani, e no momento em que ele disse no poder de sua divindade: “Sou eu”, todos recuaram e caíram por terra (Jo 18.1-8). Com essas respostas, Jesus Cristo, aquele filho do carpinteiro de Nazaré, se valeu exatamente daquelas palavras de Deus: “Javé” – “Eu Sou”. Essa autoconfissão de Jesus literalmente os derrubou.

O evangelho de João cita sete afirmações “Eu sou” de Jesus: “Eu sou o pão da vida”; “Eu sou a luz do mundo”; “Eu sou a porta das ovelhas”; “Eu sou o bom pastor”; “Eu sou a ressurreição e a vida”; “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”; “Eu sou a videira verdadeira”. Com essas declarações de que “Eu sou”, Jesus também se identifica como Deus além das suas outras declarações, como: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10.30) e: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14.9).

Ainda que nós hoje não percebamos o vínculo linguístico dessas declarações “Eu sou” de modo a podermos compreender seu significado e alcance, para os judeus da sua época essas palavras eram bem expressivas. Diante de “Eu sou o pão da vida”, por exemplo, qualquer judeu se lembraria da mesa dos pães da proposição no santuário e dos quarenta anos de peregrinação pelo deserto quando Deus, o Senhor, supriu Israel com o maná caído do céu. E quando ele diz “Eu sou a luz do mundo”, qualquer judeu pensaria no candelabro de sete braços, também presente no santuário. Nenhum judeu além dos sacerdotes podia entrar lá – e os gentios muito menos. Com essas palavras, Jesus se identificou como consumação do templo e do culto sacerdotal e sacrificial. Foi isso, afinal, que chocou aquele sistema religioso.

Os sacerdotes e escribas sentiram-se ameaçados no seu direito de existirem. Afinal, havia tempo que eles não serviam mais a Deus, mas apenas a um sistema religioso. Com Jesus como verdadeiro sumo sacerdote e cordeiro sacrificial perfeito, não haveria mais necessidade de sacerdotes e escribas. Todo o ritual do templo, incluindo o materialismo ligado a ele (basta lembrar a purificação do templo), cairia por terra – e é exatamente isso que se teria de impedir. Assim como todo sistema religioso hoje, inclusive a religião cristã, se escandaliza com a divindade de Jesus e sua respectiva reivindicação absoluta. Isso não se encaixa no sistema.

Quer a humanidade – tanto os ateus como os religiosos – gostem ou não, uma coisa é certa: Jesus não foi um homem qualquer, muito menos um fundador de religião. Não: Jesus é Deus! Em Jesus, Deus se tornou homem (2Co 5.19). Em Jesus temos o perdão dos nossos pecados (1Jo 1.7-9), e em Jesus temos vida eterna (1Jo 4.9). Sem Jesus Cristo, o Juiz, o Legislador e Rei, não haveria salvação (Jo 14.6; At 4.12).

Quem é Deus? É a Palavra de Deus encarnada, Jesus de Nazaré, o Senhor crucificado que pôde dizer com plena autoridade: “Eu sou!”.

Nota

  1. “From John Adams to John Quincy Adams, 28 March 1816”, Founders Online, National Archives. Disponível em: https://founders.archives.gov/documents/Adams/99-03-02-3058. Acesso em: 18 jan. 2019.

Thomas Lieth é pregador e responsável pelo trabalho editorial da Chamada na Suíça.

sumário Revista Chamada Abril 2022

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