A carta aos Romanos: Capítulo 3

Todos são culpados (v. 1-20)

Depois que Paulo também expôs os judeus como culpados diante de Deus, a seguinte pergunta é mais do que justificada: “Qual é, então, a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão?” (Rm 3.1). Sim, mesmo que o judeu piedoso seja culpado diante de Deus, qual é a vantagem do judaísmo? A resposta é: “Muita, sob todos os aspectos” (3.2a).

Vantagens e fracassos de Israel

Grandes são as vantagens de Israel: “Principalmente porque aos judeus foram confiados os oráculos de Deus” (3.2b). Eles têm a Bíblia (na época, o Antigo Testamento), eles conhecem a Deus e suas promessas, eles têm os profetas e as profecias. No entanto, Paulo diz – levemente irônico: “E então? Se alguns não creram...” (3.3).

Aqui Paul está subestimando um pouco. Afinal, Israel, apesar de sua posição privilegiada, rebelou-se repetidamente contra Deus. É o que, por exemplo, diz o profeta Zacarias: “Porque os ídolos do lar falam coisas vãs e os adivinhos veem mentiras e contam sonhos enganadores; oferecem consolações vazias” (Zc 10.2a). Apesar de todas as suas vantagens, a nação israelita tornou-se ímpia!

Apesar dos fracassos de Israel, a fidelidade de Deus permanece, e assim Paulo pergunta: “... será que a incredulidade deles [dos israelitas descrentes] anulará a fidelidade de Deus?” (Rm 3.3), somente para responder com toda a certeza: “De modo nenhum! Seja Deus verdadeiro, e todo ser humano, mentiroso...” (3.4).

Deus não muda. Ele mantém sua palavra!

A culpa não é do homem?

Todos nós tendemos a transferir a culpa e encontrar um bode expiatório, uma desculpa, para o nosso comportamento. Isso é o que o homem diz: “Mas, se a nossa injustiça evidencia a justiça de Deus, que diremos? Seria Deus injusto por aplicar a sua ira? Falo em termos humanos” (3.5). Afinal, se o erro humano é algo inerente, ele não tem culpa nisso, certo? Paulo rejeita esse pensamento e diz: “É claro que não! Do contrário, como Deus julgará o mundo?” (3.6).

Da forma que o homem é, contudo, ele desafia o julgamento de Deus com palavras ousadas e arrogantes e até pensa que pode chamá-lo para prestar contas: “E, se a minha mentira faz com que aumente a verdade de Deus para a sua glória, por que ainda sou condenado como pecador? E por que não dizemos, como alguns caluniosamente afirmam que o fazemos: ‘Pratiquemos o que é mau, para que nos venha o que é bom’?...” (3.7-8).

Quanta arrogância para com o Criador! Sim, imagina-se que assim é possível desculpar-se do próprio pecado! Isso, no entanto, confirma o julgamento de Deus: “... a condenação destes é justa” (3.8).

E assim Paulo resume tudo e precisa concluir: “Que se conclui? Temos nós alguma vantagem? Não, de forma nenhuma. Pois já temos demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado” (3.9).

Paulo esclarece qual julgamento é realizado mais precisamente nos versos seguintes: “Como está escrito: ‘Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus. Todos se desviaram e juntamente se tornaram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua enganam, veneno de víbora está nos seus lábios. A boca, eles a têm cheia de maldição e amargura; os seus pés são velozes para derramar sangue. Nos seus caminhos, há destruição e miséria; eles não conhecem o caminho da paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos’” (3.10-18).

Quem gosta de admitir que não consegue? Quem gosta de admitir sua culpa, sua incompetência, seu desamparo e pecaminosidade? Mas, para que fique realmente claro para todos que não podemos fazê-lo, Paulo insiste e escreve: “Ora, sabemos que tudo o que a lei diz é dito aos que vivem sob a lei, para que toda boca se cale, e todo o mundo seja culpável diante de Deus. 20Porque ninguém será justificado diante de Deus por obras da lei, pois pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (3.19-20).

O ponto brilhante

A culpa de todos foi provada, sejam gentios ou judeus, e não há possibilidade de objeção. Que veredito sombrio e devastador! Mas voltemos ao momento em que o acusador ainda não havia formulado suas acusações e o Juiz, proferido seu veredito. Não havia um raio de esperança? Como é que Paulo havia escrito?

“Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego. Porque a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: ‘O justo viverá por fé’” (1.16-17).

O culpado deve ficar impune? Ele deve ser justificado? Perdoado? Sim, é exatamente isso que deve acontecer. Com isso Paulo chega ao seu próximo pensamento.

Somente pela fé (v. 21-31)

Como vimos, este é o veredito: “Todos se desviaram e juntamente se tornaram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (3.12). Isso é uma afronta a uma humanidade que afirma: “Nobre seja o homem / Útil e bom! / Pois só isso / O distingue / De todos os seres / Que nós conhecemos” (Johann Wolfgang von Goethe, Das Göttliche [O divino], estrofe 1).

Este poema precisa ser revisto – especialmente depois de Auschwitz. O que a Bíblia diz é verdade: “Todos se desviaram e juntamente se tornaram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (3.12).

Justo pela fé!

Todavia, agora devemos ser justificados pela fé, sem fazer nenhum trabalho por conta própria: “Mas, agora, sem lei, a justiça de Deus se manifestou, sendo testemunhada pela Lei e pelos Profetas. É a justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos e sobre todos os que creem...” (3.21-22).

Quem é honesto deve reconhecer: sou culpado diante de Deus! E, por causa disso, começamos a lutar e brigar. Realmente, quantos mosteiros e ermidas foram construídos para esse fim, mas todo o esforço é inútil. Descobre-se que, quanto mais se esforça, mais se torna aparente o próprio fracasso, a própria incapacidade. É precisamente nesta situação que Paulo escreve: “... mediante a fé em Jesus Cristo” (3.22).

“O fato de todos nós querermos fazer algo para chegar ao céu é um antigo mal humano. Queremos ganhar o céu e queremos fazer algo nosso.”

Há salvação: pela fé na obra redentora de Jesus Cristo. Quando o carcereiro em Filipos perguntou: “Senhores, que devo fazer para que seja salvo?” (At 16.30), a resposta foi clara e simples: “Creia no Senhor Jesus e você será salvo – você e toda a sua casa” (16.31).

O fato de todos nós querermos fazer algo para chegar ao céu é um antigo mal humano. Queremos ganhar o céu e queremos fazer algo nosso, mas a salvação só é possível da maneira que a Bíblia diz: “... mediante a fé em Jesus Cristo” (Rm 3.22; veja v. 23).

Não é a sua vida impecável, o estilo de vida perfeito, a boa reputação, a falta de registros criminais ou mesmo a confissão diária que o salvará.

Justificado através da redenção

A única coisa que nos torna justos diante de Deus é a fé em Jesus Cristo, a fé no que Jesus Cristo fez por você e por mim na cruz do Calvário. E assim Paulo diz: “Sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (3.24).

Quão miseráveis são muitas vezes os esforços de nós, humanos. Em uma viagem de férias visitamos a Porta Nigra, localizada em Tréveris, Alemanha, um magnífico portão da época romana. Em 1030, o monge bizantino Simeão enclausurou-se neste local para poder dedicar-se à oração e à contemplação sem ser perturbado. Mas esse é o caminho certo? Somente a fé na pessoa e na obra de Jesus Cristo salva; não o esforço próprio, a obediência às regras e leis ou a oração e o jejum.

É a fé que confia que Deus se tornou homem em Jesus Cristo. A crença de que Jesus levou nossos pecados sobre si na cruz do Calvário e morreu em nosso lugar como punição por esses pecados. Se eu creio nisso, então Deus não usa meus pecados contra mim, mas me perdoa, me limpa e me faz como se eu nunca tivesse pecado antes! Ele me justifica. Eu posso me tornar seu filho e estar com ele na glória um dia!

O que justificação é e não é

A justificação significa que sou absolvido no tribunal. Embora eu seja culpado, ainda sou absolvido porque aceito pela fé que outro, a saber, o próprio Deus, em Jesus Cristo, sentará no banco dos réus por mim, tomando minha culpa e também meu merecido castigo; e então, na cruz, carregou o castigo que eu na verdade merecia. Por crer nisso, sou justificado diante do eterno Juiz, diante do próprio Deus. Paulo resume jubilosamente esse fato quando diz: “Agora, pois, já não existe nenhuma condenação para os que estão em Cristo Jesus” (8.1).

Mas devemos ser claros sobre isto: Deus não faz vista grossa! Ele não simplesmente fecha um olho. Não. Quando Deus justifica o pecador, é por uma única razão, como Paulo enfatiza: “Deus o [Jesus Cristo] ofereceu como sacrifício para propiciação [que é eficaz] mediante a fé, pelo seu sangue, demonstrando a sua justiça” (3.25, NVI).

A única maneira de Deus justificar o pecador é através da cruz no Calvário. Somente porque Deus derramou seu sangue em Jesus Cristo, tomou sobre si os pecados do mundo, morreu na cruz e assim cumpriu as exigências de um Deus santo, somente através disso Deus pode justificar! E eu mesmo só posso ser justificado por isso se reivindico este evento para mim pessoalmente e acredito nele, escondendo-me em Jesus Cristo como uma criança busca proteção sob a capa de chuva de seu pai a fim de ser protegida da tempestade por vir.

Somente quando me escondo em Jesus, escondo-me no que Jesus Cristo fez por mim na cruz do Calvário, só então Deus me concede sua proteção de sua santa ira.

Como Deus permanece justo?

Esta é a grande questão: como Deus pode perdoar o pecado e permanecer plenamente justo? Como Deus, a suprema autoridade moral, pode justificar os pecadores? Como ele, o Deus absolutamente justo e santo, pode aceitar pecadores sem se desviar de seu próprio padrão de justiça e santidade? Paulo aborda esse problema quando escreve: “... a fim de que o próprio Deus seja justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus” (3.26).

Por mais simples que possa parecer, a resposta foi dada por Deus na cruz do Calvário, uma vez que, na cruz do Calvário, tanto a verdade de Deus sobre o pecado foi revelada (quão terrível e abismal ele é) quanto a justiça e santidade de Deus foram satisfeitas. Pelo fato de que o próprio Deus santo tomou a penalidade do pecado e pagou por ele com sua morte, não apenas foi satisfeita a justiça de Deus, mas uma saída foi disponibilizada ao pecador. E agora, de acordo com a sua justiça, Deus pode justificar aqueles que creem nela e a reivindicam pessoalmente!

Paulo expressou isso de forma tão eloquente nos versos 25 e 26: “[Jesus Cristo] a quem Deus apresentou como propiciação, no seu sangue, mediante a fé. Deus fez isso para manifestar a sua justiça, por ter ele, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos, tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, a fim de que o próprio Deus seja justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus”.

Então você pode ficar justo diante de Deus crendo no que Jesus Cristo fez por você na cruz. Creia em Jesus Cristo e você será declarado justo!

Qualquer glória pessoal é excluída

É dessa forma que Paulo chega à conclusão dessa reflexão, fazendo a pergunta: “Onde fica, então, o orgulho?” (3.27a). Qualquer um que reconheceu sua própria perdição e experimentou a graça que Deus lhe concede fica mudo diante desse grande dom. Ele para de se dar tapinhas nas costas e se gabar de si mesmo. Ele se torna quieto e humilde, grato e cheio de louvor. Ele reconhece que tudo é apenas graça, e qualquer orgulho “foi totalmente excluído” (3.27b).

Quem quer que você seja: só há um caminho para o céu. O caminho que o próprio Jesus indica: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6).

É exatamente nessa linha que Paulo continua escrevendo: “Concluímos, pois, que o ser humano é justificado pela fé, independentemente das obras da lei. Ou seria Deus apenas Deus dos judeus? Será que não é também Deus dos gentios? Sim, também dos gentios, visto que Deus é um só, o qual justificará o circunciso a partir da fé e o incircunciso por meio da fé. Anulamos, então, a lei por meio da fé? De modo nenhum! Pelo contrário, confirmamos a lei” (Rm 3.28-31).

Samuel Rindlisbacher é ancião da igreja da Chamada na Suíça e foi fundamental no desenvolvimento do grande ministério de jovens dela.

sumário Revista Chamada Março 2022

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