Spurgeon: O Príncipe dos Pregadores
Mais de dez mil pessoas frequentavam os cultos em que Charles Haddon Spurgeon falava, e ele é considerado um dos maiores pregadores de todos os tempos. Este artigo mostra um pouco sobre sua atividade e ênfase.
A atividade de C. H. Spurgeon coincide com a época do reavivamento na Grã-Bretanha. Em sua revista A Espada e a Espátula, Spurgeon explicou em 1866 o que ele entendia por reavivamento: “O termo reavivamento deriva do latim e significa ‘viver de novo’ ou ‘receber de novo uma vida que já estava quase extinta’. [...] A luz bruxuleante da vida de um moribundo repentinamente se reacende para brilhar de forma incomum”. Claramente, Spurgeon tomou posição contra a ideia de que seria possível produzir reavivamento por meio de quaisquer métodos, por mais espirituais que parecessem. Para ele, o reavivamento não era resultado de “entusiasmo, reuniões em massa, bater o pé”. Antes, seria o resultado da obra indispensável de Deus. Os cristãos no máximo poderiam criar as condições para isso ao pregar a verdade integral da Bíblia. “O Espírito Santo precisa penetrar no coração vivo por meio da verdade viva.”
Em The Bible and the Newspaper [A Bíblia e o Jornal] (1878), Spurgeon comentava eventos do seu tempo a fim de apresentar aos seus leitores o domínio de Deus na história. Um furacão em abril de 1878, que inundou inclusive o subsolo da igreja, serviu a Spurgeon para descrever o poder do reavivamento espiritual que não pode ser contido.
Um artigo do jornal Daily News, em que o Dreadnought era descrito como o navio de guerra mais moderno do mundo, serviu para Spurgeon criticar uma amplamente disseminada crença na tecnologia, que se refletia inclusive na área eclesiástica. Apenas alguns anos depois do reavivamento concedido por Deus, os cristãos começaram a desenvolver sistemas e esquemas segundo os quais se poderia assegurar o progresso do crescimento espiritual. “Será que todos nós não corremos o perigo de confiar em uma máquina religiosa, entregando a obra do Senhor a secretários, comitês, missionários etc.?” De acordo com Spurgeon, um reavivamento autêntico não pode ser organizado. “A vida divina precisa sobrevir a pessoas que não tenham interesse nela e penetrar em recintos nos quais ela seja vista como intromissão. Ele precisa ficar visível entre pessoas em trânsito, arrastadas pelo movimento diário e nas aglomerações humanas.”
Engajamento Social
Para Spurgeon, a renovação espiritual também deveria sempre ser visível na sociedade. “Será muito desejável que a igreja cristã conquiste em todo o mundo ainda mais força e influência em favor da justiça [...] reforma social e progresso moral.”
O engajamento social de Spurgeon revelou-se inclusive no orfanato que fundou em 1867 com capacidade para receber cerca de 500 crianças, existente até hoje. Além disso, sua igreja administrava diversos núcleos sociais, escolas e lares de idosos, todos financiados por ofertas voluntárias.
Na política, Spurgeon apoiava o Partido Liberal de William Edward Gladstone (1809-1898). Ele insistia em abordar questões sociais, mesmo em detrimento próprio. Assim, Spurgeon já denunciava em 1860 a escravidão americana em seus sermões, o que causou uma perceptível retração nas encomendas de seus livros e sermões. A escravidão seria “o pior crime e um pecado destruidor da alma”.
A partir de 1856, Spurgeon lecionava no The Pastor’s College, fundado por ele (mais tarde Spurgeon’s College). Essa escola era tão conceituada que, em 1911, 24% de todos os pastores batistas receberam ali a sua formação. O foco do aprendizado era a capacitação para a pregação e o discipulado. Os pastores formados por Spurgeon plantaram numerosas novas igrejas (principalmente no sudeste da Inglaterra), marcando com isso a doutrina batista conservadora em toda a Grã-Bretanha. Uma porcentagem extraordinariamente grande dos pastores formados ali decidiu-se posteriormente por uma atividade nas missões mundiais.
Spurgeon como Autor
Spurgeon nunca foi um escritor apaixonado. “Para mim, escrever é uma escravatura”, disse ele em seu livro O Santo e Seu Salvador. Foram poucos os livros que ele escreveu como obras autônomas. Nos anos mais tardios, Spurgeon contratou um secretário que selecionava e publicava o material dos seus discursos, palestras e sermões.
As palestras de Spurgeon não eram só ouvidas com entusiasmo: entre 1855 e 1917, seus sermões eram impressos com uma tiragem semanal de 25 mil exemplares, primeiro na The New Park Street Pulpit e depois na The Metropolitan Tabernacle Pulpit. Os sermões de Spurgeon também foram traduzidos para mais de 40 idiomas e até hoje são muito lidos, especialmente nos EUA. De 1865 até sua morte (1892), Spurgeon publicou a amplamente disseminada revista mensal teológica The Sword and the Trowel.
Entre os numerosos escritos de autoria de Spurgeon (cerca de 200), destacam-se principalmente seu comentário dos Salmos em sete volumes, O Tesouro de Davi, e sua coletânea de pensamentos e provérbios, John Ploughman’s Talk: or Plain Advice for Plain People [Palestra de John Ploughman, ou Conselhos Simples para Pessoas Simples], dos quais foram vendidos quatrocentos mil exemplares até 1900.
A Teologia de Spurgeon
Ainda que as exposições de Spurgeon tenham sido nitidamente marcadas pela teologia reformada, ele não quis vincular-se irrestritamente a nenhuma linha teológica, também não ao calvinismo.
Spurgeon insistia em lutar por uma teologia centrada na Bíblia. Em um sermão de 1864, manifestou-se contra os anglicanos evangélicos por permanecerem ligados à igreja oficial embora esta ensinasse que o novo nascimento ocorreria por meio do batismo. Diante do posicionamento dúbio da Aliança Evangélica nessa questão, desligou-se dela. Em 1887, voltou as costas à União Batista porque esta não se posicionou claramente contra uma interpretação liberal da morte vicária de Jesus e da inspiração bíblica (veja “Downgrade Controversy”). Spurgeon assumiu clara posição contra qualquer questionamento da infalibilidade da Escritura.
Spurgeon desafiava seus ouvintes a uma entrega pessoal a Deus e a um estilo de vida exemplar. Quem quisesse alcançar isso, teria de se preparar para uma luta: “Satanás tenta nos impedir quando nos aprofundamos na oração. Ele provoca nossa impaciência e debilita nossa fé para que, se possível, percamos a bênção. Satanás não se mostra menos ativo na tentativa de criar obstáculos às atividades cristãs. Nunca ocorreu um reavivamento da vida cristã sem que ao mesmo tempo também se manifestasse intensa resistência. [...] Não devemos espantar-nos por Satanás tentar nos impedir – trata-se apenas da prova de que estamos ao lado do Senhor e que executamos a obra do Senhor”.
Spurgeon também insistia em seus sermões na graça e na obediência. Ele enfatizava tanto a soberania divina como também a responsabilidade humana. Na vida da igreja, Spurgeon destacava especialmente a importância da ceia do Senhor. Perto do fim da sua vida, ele escreveu: “Minha teologia encolheu para resumir-se nestas quatro palavras: Jesus morreu por mim”.
Spurgeon como Pregador
A grande atratividade dos eventos de Spurgeon não pode ser atribuída a elementos de entretenimento ou a uma adaptação ao gosto da época. Antes, seu ministério caracterizava-se por oração e ensino. Mesmo que inicialmente ele insistisse em explicar os fundamentos do evangelho, logo ele passou a tratar de modo bem descritivo dos mais diversos temas teológicos. Assim, ele pregou sobre as características de Deus, a doutrina da eleição (predestinação) ou simplesmente expondo um texto bíblico. Com uma colorida linguagem coloquial, temperada com humor da vida diária, Spurgeon queria apresentar aos seus ouvintes Jesus Cristo e as bases das doutrinas bíblicas. No entanto, ele sempre falava de modo concreto e desafiava seus ouvintes – às vezes até de modo bem pessoal. Às vezes Spurgeon se sentia impelido pelo Espírito Santo a dirigir-se a pessoas que nem conhecia de perto: “Há ali um homem assentado que é sapateiro. Ele mantém sua oficina aberta inclusive aos domingos. No domingo passado de manhã ela estava aberta. Ele recebeu nove pence e com isso lucrou quatro pence. Por quatro pence ele vendeu sua alma a Satanás”. Os ouvintes ficavam impressionados. Conversões ocorriam em cada evento.
Seus conselhos homiléticos, válidos até hoje, Spurgeon disponibilizou aos seus alunos em Lições aos meus alunos. Em O Tesouro de Davi, Spurgeon complementou sua própria exposição do texto com comentários de exegetas puritanos e com “indicações para o pregador de aldeia”.
Ele acreditava que os pastores deveriam sempre ser também testemunhas daquilo que experimentaram com Deus. Para isso, uma conversão pessoal seria condição fundamental. “Se não tivermos o Espírito que Jesus prometeu, não poderemos cumprir a missão que Jesus outorgou.” Além disso, os pregadores deveriam confiar plenamente na Bíblia e sempre orientar aquilo que dizem pela Palavra de Deus. “Uma única gota da tintura concentrada da Palavra de Deus é melhor que um lago de exposições.” Spurgeon também dava especial valor à seleção de exemplos adequados que ilustrasse as declarações expostas na mensagem.
Spurgeon desafiava seus alunos a falar principalmente de forma compreensível e convincente, não de forma teológica e acadêmica. “Quem se dirigir a mineiros e operários das minas com termos técnicos teológicos e vocábulos de salão, comporta-se como um idiota. A confusão das línguas em Babel teve um alcance maior do que imaginamos. Ela não só deu idiomas diferentes aos povos, mas também criou diferenças entre as linguagens de cada camada social.”
Além de insistir com seus alunos por um minucioso preparo dos sermões, Spurgeon os animava em seus conselhos para pregadores a orar intensamente: “A oração é nosso principal auxiliar enquanto o sermão ainda está sobre a bigorna. [...] Nossos sermões sem oração revelam ser palha e restolho. Quem ora vigorosamente é um muro de fogo em torno de sua pátria. [...] Orar mais não é apenas conveniente, mas necessário. O segredo de todo o nosso êxito no ministério da pregação está na oração”.
Vida Particular
Em 1856, Spurgeon casou-se com Susannah Thompson, uma mulher da sua igreja. Parecem ter tido um casamento predominantemente harmonioso. Seus filhos, Charles e Thomas, tornaram-se mais tarde pastores batistas.
C. H. Spurgeon sofreu durante anos de uma inflamação crônica nos rins. Ele faleceu em 31 de janeiro de 1892 em Menton, França. Seu cortejo fúnebre em Londres, por ocasião do sepultamento, reuniu mais de cem mil pessoas. Até hoje ele é mundialmente conhecido como autor e pregador.