Surpreendente descoberta em arquivo

Sabe-se em Israel já há algum tempo que os palestinos vêm vasculhando as gavetas da história. A Declaração de Balfour, bastante conhecida, que em 1917 reconheceu o direito do povo judeu a um “lar nacional na Palestina” sob “preservação dos direitos das comunidades não-judias”, deixou claro em seu centenário qual é o objetivo dos palestinos. Quando os documentos históricos vêm ao encontro dos seus propósitos, eles não reivindicam, como no caso da Declaração de Balfour, seu cancelamento ou a retirada, mas exigem sua aplicação. Os palestinos já procuraram – em 2015 – intensamente em arquivos turcos documentos que promovessem seus interesses, pois, afinal, o país permanecera quase 400 anos sob a soberania da Sublime Porta (o governo do Império Otomano), que possibilitava o registro de propriedade de terras.

Muitos documentos referentes à atual Terra Santa encontram-se em outros países, o que se deve ao domínio turco e também britânico. As surpresas nas revisões destes arquivos são frequentes.

Uma reportagem da imprensa israelense comentou a respeito: “Os palestinos consideram esses documentos como fator capaz de mudar as regras do jogo em sua luta contra Israel. Eles já utilizaram no passado [os arquivos do Império Otomano]”. Nesse meio tempo, constatou-se que as autoridades turcas forneceram à representação diplomática dos palestinos em Ancara jogos completos de microfilmes. Em Ramala, advogados de uma associação próxima à Organização para a Libertação da Palestina assumiram os casos concretos com o propósito de providenciar que até 2022 se reivindique a posse de todas as terras registradas. Isso terá de ser feito no registro de imóveis israelense, que ainda hoje é conhecido em hebraico pela designação turca de “Tapu”, porque tanto os britânicos como também Israel assumiram esse registro.

Isto poderia ser importante principalmente para Jerusalém, que também está no foco do interesse palestino nesses materiais históricos da Turquia. Fontes turcas informaram que a busca palestina por documentos da época otomana também visa à Cidade Santa e especialmente aos sítios muçulmanos.

Quem está familiarizado com a situação dos locais sagrados na cidade sabe que os muçulmanos reivindicam não só o monte do Templo, mas também o Muro das Lamentações e partes do átrio, razão pela qual, por exemplo, em 2007 os serviços de manutenção de Israel na Ponte dos Marroquinos (pela qual os não-muçulmanos têm acesso ao monte do Templo), que desabara, chegaram a causar ameaças de guerra da parte de países árabes. Seria ociosa a menção das resoluções da UNESCO nos anos de 2016 e 2017, que, pelo emprego da nomenclatura árabe para aqueles locais, praticamente extinguiram qualquer história judaica do monte do Templo e apoiaram a reivindicação muçulmana por Al-Buraq, aquele muro junto ao qual, segundo a tradição, o profeta Maomé teria amarrado sua montaria numa argola de ferro, e que os judeus chamam de Muro das Lamentações.

É exatamente desse local que trata uma carta recém-encontrada, que esteve guardada por 90 anos no acervo do “Colonial Office”, arquivo do Ministério das Relações Exteriores britânico, sem despertar atenção. O escrito fora entregue em 29 de agosto de 1929 pelo príncipe egípcio Muhammad Ali Pasha, o futuro rei Farouk, ao embaixador britânico em Istambul, Sir George Clerk, com o pedido de encaminhá-lo ao Alto Comissário britânico da Palestina, o que, porém, não aconteceu. “Desejo apresentar uma proposta de solução”, diz a carta do príncipe, “para encerrar os combates ou o tratamento injusto de um dos dois lados. Chegar a um acordo seria melhor para todos. Se para os judeus, que, afinal, são ricos, essa questão [do Muro das Lamentações] é tão importante, não deveria haver motivo para não deverem pagar por isso, e nesse caso os maometanos poderiam se dispor a aceitar uma quantia em dinheiro para realizar boas obras em sua comunidade.” Além disso, ele esclarece que deveria tratar-se de uma soma substancial.

Mas a coisa fica ainda mais interessante: o príncipe havia redigido a carta apenas uma semana após o massacre na comunidade judaica em Hebrom, ao qual se seguiram meses de tensão junto ao Muro das Lamentações. Isso se torna ainda mais digno de nota quando se sabe que por muito tempo os otomanos baniram os judeus do local (o que se conseguia contornar mediante propinas passadas aos vigias otomanos). Isso induziu o general britânico Allenby a insistir, em 1917, no cumprimento do status quo tradicional nos sítios religiosos da Cidade Santa, tal como se efetivou em lei cinco anos depois com a entrada em vigor do mandato. É verdade que mesmo assim não foi possível impedir as tensões. Propostas semelhantes foram apresentadas em 1918 e em 1926, mas deram em nada, do mesmo modo como fracassaram tentativas de judeus em adquirir imóveis nas proximidades imediatas. Conforme revelam documentos dos arquivos datados dos anos tardios da década de 1920, a desativação dessa questão tem muito a ver com a atitude britânica em relação ao tema. Portanto, não é de se admirar que a espantosa iniciativa do posterior soberano egípcio tenha acumulado poeira em pastas arquivadas, sem que nada acontecesse.

Antje Naujoks dedicou sua vida para ajudar os sobreviventes do Holocausto. Já trabalhou no Memorial Yad Vashem e na Universidade Hebraica de Jerusalém.

sumário Revista Chamada Maio 2020

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