O Quipá

Usos, costumes e tradições no judaísmo

Ao longo dos séculos e milênios, o judaísmo produziu numerosos usos, costumes e tradições que parecem estranhos a quem não é daquele meio. Muitas vezes trata-se de exterioridades que os distinguem de outras pessoas. É claro que o observador se perguntará de onde provém tudo isso. Teriam algum fundamento bíblico ou trata-se apenas de tradições judaicas acrescentadas no decorrer do tempo?

A razão pela qual os judeus religiosos usam uma cobertura para a cabeça é uma pergunta difícil de responder, pois os próprios judeus não têm uma resposta clara à questão. Esse costume também não se baseia em um mandamento bíblico, por isso é ainda mais difícil descobrir a origem dessa tradição.

Para os judeus, de forma geral, a cabeça coberta simboliza a expressão de submissão à lei e de temor diante de Deus. Utilizar uma cobertura sobre a cabeça, tanto numa sinagoga como em outros locais ou eventos religiosos, é uma obrigação não só para judeus como para todos os presentes, com a justificativa de que nesses locais ou eventos é invocado o santo nome de Deus.

No Talmude, cobrir a cabeça é considerado como um ato de temor a Deus, pois está escrito: “Cubra a sua cabeça para que o temor do céu esteja sobre você” (Shabbat 156.6). No entanto, nem todos consideravam essa exortação como válida.

Além de tudo, vale lembrar que, no Oriente, cobrir a cabeça desde sempre foi um costume comum e útil em virtude do forte calor solar. Essa tradição persiste até hoje entre os árabes. Antigamente também se cobria a cabeça na Europa, como é possível verificar em fotos antigas. Além disso, os chapéus eram um símbolo de status, motivo pelo qual havia alguns modelos que podiam ser usados somente por pessoas da nobreza. Diante disso, na Idade Média, judeus foram até mesmo obrigados a usar chapéus com determinados formatos para que pudessem ser reconhecidos facilmente.

Quipás à venda em comércio de rua em JerusalémQuipás à venda em comércio de rua em Jerusalém

Em algum momento, então, o chapéu – juntamente com as tradicionais roupas pretas – tornou-se uma espécie de segunda pele para os judeus, sem os quais a vida religiosa seria inimaginável. Tudo isso, porém, não tem nada a ver com o judaísmo bíblico, mas muito mais com Diáspora e guetos. No entanto, quanto a isso parece que se perdeu a conscientização. Isso mostra como as tradições podem se tornar mais fortes do que as verdades bíblicas.

Na Idade Média, os judeus foram expulsos da Alemanha mas acolhidos pelo rei polonês, pois desempenhavam diversas profissões. Portanto, levaram um novo desenvolvimento para a Polônia e, com seus ganhos auferidos, em parte foram promovidos aos primeiros níveis da nobreza. Isso lhes dava o direito de usar um chapéu especial, confeccionado artisticamente com pelego. Os judeus na Europa Oriental ainda hoje usam orgulhosamente esses chapéus nos sábados e feriados, algo que chama especial atenção, tanto em Jerusalém como também em outros locais.

O chapéu feito com pelego é útil em países de clima frio; além disso, é muito caro. O fato de que também se encontra esse chapéu no clima moderado israelense é um sinal que a tradição é o padrão para tudo no judaísmo religioso.

Além disso, cada agrupamento religioso dispõe de seus próprios modelos de chapéus e roupas, a fim de conseguirem se reconhecer. Isso, por exemplo, vale para os ultraortodoxos, ou Haredim, como são chamados em hebraico. No entanto, existem outros ortodoxos que usam apenas um quipá – e esses podem ser de modelos diferentes. A forma e a aparência destes indicam a qual grupo eles pertencem e serve de sinal de reconhecimento entre eles.

O turbante do sumo sacerdote e a ordem de Paulo em 1Coríntios 11

A única passagem do Antigo Testamento que ordena especificamente o uso de cobertura para a cabeça está relacionada com a vestimenta do sumo sacerdote e encontra-se em Êxodo 28.36-37, em que consta que o diadema – com a inscrição “Consagrado ao Senhor” – deve ser fixado na parte frontal do turbante, à frente da testa. Durante o Yom Kippur, o sumo sacerdote também precisava cobrir a cabeça quando entrava no Lugar Santo, na presença de Deus (Lv 16.4). Diante desse mandamento dado por Deus, não é fácil compreender a ordem dada por Paulo de que um homem, ao orar ou profetizar, não deve ter a cabeça coberta (1Co 11.4).

Nos versículos 7-9, Paulo traz uma explicação; depois, nos versículos 14-15, diz que usar cabelo comprido é vergonhoso para um homem, mas uma honra para uma mulher. Paulo, na verdade, estava se referindo ao que na sua época era elegante, decente e honroso.

Na época em que se usava chapéu, era costume tirá-lo da cabeça quando se cumprimentava alguém, ou ao entrar numa igreja ou numa casa. Nossa cultura atual praticamente esqueceu desse detalhe. Tratava-se de um ato de dignidade, de honra e de boa educação. Há indicações de que Paulo deu suas recomendações com base nas regras gerais de educação praticadas para não causar atritos.

Se era costume tirar a cobertura da cabeça diante de pessoas, quanto mais isso valeria diante do Senhor e Mestre celestial!

As ordens para as mulheres

Mulheres judias orando em frente ao muro das lamentaçõesMulheres judias orando em frente ao muro das lamentações

Para as mulheres, notadamente, não valiam as mesmas regras que aos homens. Um olhar no Oriente novamente nos ajuda, pois é ali que se originaram as tradições bíblicas e regras de etiqueta. No islamismo (principalmente entre os árabes), o ato de cobrir a cabeça tem muita importância –o clima no Oriente foi novamente decisivo. O vento forte e o sol intenso requeriam justamente que se cobrisse a cabeça. Isso também explica o uso do véu diante do rosto. Não existiam óculos de sol nem cremes de proteção. O véu transparente diante do rosto protegia a mulher do sol excessivo, mas também de tempestades de areia e, assim, servia como proteção para a pele do rosto.

"Era costume que a mulher permanecesse coberta com o véu. Esses costumes eram de uso geral e não restritos apenas aos judeus e demais povos orientais. Há algumas gerações, dependendo do trabalho que realizavam, as mulheres europeias também usavam um pano na cabeça."

As mulheres não tinham a obrigação de descobrir a cabeça para cumprimentar ou ficar em companhia de outros. Pelo contrário, era costume que a mulher permanecesse coberta com o véu. Esses costumes eram de uso geral e não restritos apenas aos judeus e demais povos orientais. Há algumas gerações, dependendo do trabalho que realizavam, as mulheres europeias também usavam um pano na cabeça. Até hoje, nos trajes típicos tradicionais, as mulheres ainda usam algo para cobrir a cabeça.

No islamismo atual é possível ver uma nova tendência na cobertura da cabeça. Algo semelhante acontece também entre os judeus. Todavia, como já foi visto, esses costumes originariamente não eram motivados por aspectos religiosos, mas em parte por aquilo que era prático, decente e educado.

O quipá e o chapéu

Por que, então, os judeus ultraortodoxos usam um chapéu e, debaixo dele, ainda um quipá? Como foi dito: é sinal de boa educação tirar o chapéu ao cumprimentar alguém ou ao entrar em uma casa, apesar de os judeus ortodoxos geralmente não praticarem tal ato. Na Europa, porém, em certas ocasiões eles também precisavam tirar o chapéu por motivo de respeito – e, a fim de que mesmo assim permanecessem com a cabeça coberta, usavam um quipá sob o chapéu. De acordo com a ordem de Paulo, na Europa surgiu o costume cultural de tirar o chapéu quando se ingressava numa igreja. Isso também teve influência no judaísmo e os rabinos procuraram instituir uma diferenciação. Assim, alguns consideram que o uso do quipá surgiu no judaísmo para criar uma separação com o cristianismo.

Fredi Winkler é guia turístico em Israel e dirige, junto com a esposa, o Hotel Beth-Shalom, em Haifa, que é vinculado à missão da Chamada.

sumário Revista Chamada Julho 2021

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