Relações sociais sábias da igreja com as viúvas

1ª Carta a Timóteo | Parte 14 | 1Timóteo 5.3-16

Uma interpretação da primeira carta de Paulo a Timóteo, por Norbert Lieth.

3Trate adequadamente as viúvas que são realmente necessitadas. 4Mas, se uma viúva tem filhos ou netos, que estes aprendam primeiramente a pôr a sua religião em prática, cuidando de sua própria família e retribuindo o bem recebido de seus pais e avós, pois isso agrada a Deus. 5A viúva realmente necessitada e desamparada põe sua esperança em Deus e persiste dia e noite em oração e em súplica. 6Mas a que vive para os prazeres, ainda que esteja viva, está morta. 7Dê-lhes estas ordens, para que sejam irrepreensíveis. 8Se alguém não cuida de seus parentes, e especialmente dos de sua própria família, negou a fé e é pior que um descrente. 9Nenhuma mulher deve ser inscrita na lista de viúvas, a não ser que tenha mais de sessenta anos de idade, tenha sido fiel a seu marido 10e seja bem conhecida por suas boas obras, tais como criar filhos, ser hospitaleira, lavar os pés dos santos, socorrer os atribulados e dedicar-se a todo tipo de boa obra. 11Não inclua nessa lista as viúvas mais jovens, pois, quando os seus desejos sensuais superam a sua dedicação a Cristo, querem se casar. 12Assim elas trazem condenação sobre si, por haverem rompido seu primeiro compromisso. 13Além disso, aprendem a ficar ociosas, andando de casa em casa; e não se tornam apenas ociosas, mas também fofoqueiras e indiscretas, falando coisas que não devem. 14Portanto, aconselho que as viúvas mais jovens se casem, tenham filhos, administrem suas casas e não deem ao inimigo nenhum motivo para maledicência. 15Algumas, na verdade, já se desviaram, para seguir a Satanás. 16Se alguma mulher crente tem viúvas em sua família, deve ajudá-las. Não seja a igreja sobrecarregada com elas, a fim de que as viúvas realmente necessitadas sejam auxiliadas.

Devemos considerar que as igrejas daquela época estavam especialmente preocupadas com a assistência social (ver At 6.1-7). Havia pessoas sem recursos, escravos, viúvas, pessoas solitárias, perseguições e separações de famílias por causa da fé. A mensagem do evangelho precisava ser proclamada e os pregadores itinerantes necessitavam de sustento (3Jo 5-8). Não existia aposentadoria, seguro social ou de vida, planos de assistência médica etc. Por isso precisava-se estabelecer prioridades e selecionar o que era realmente necessário, ou o que não era. As igrejas precisavam administrar o dinheiro disponível, elaborar um plano, pois não era possível agir impensadamente com as finanças. Vemos, assim, como a sensatez se ajusta ao Espírito de Deus. É nesse sentido que deveríamos observar as recomendações do capítulo 5.

“Trate adequadamente as viúvas que são realmente necessitadas” (v. 3). Surge aqui uma pergunta: será que existem viúvas que não o são? Sim! É a situação onde ainda há familiares que podem se importar por ela: “Mas, se uma viúva tem filhos ou netos, que estes aprendam primeiramente a pôr a sua religião em prática, cuidando de sua própria família e retribuindo o bem recebido de seus pais e avós, pois isso agrada a Deus. Se alguém não cuida de seus parentes, e especialmente dos de sua própria família, negou a fé e é pior que um descrente” (v. 4,8). A responsabilidade pelo sustento da viúva cabia primeiramente aos próprios familiares.

As igrejas daquela época estavam especialmente preocupadas com a assistência social. Não existia aposentadoria, seguro social ou de vida, planos de assistência médica...

Além disso, logicamente havia outros crentes que assumiram a tarefa de preocupar-se com o sustento das viúvas, mesmo que não pertencessem ao respectivo círculo familiar (talvez o estágio anterior ao de um asilo?). “Se algum crente ou alguma crente tem viúvas, socorra-as, e não se sobrecarregue a igreja, para que possa sustentar as que de fato são viúvas” (v. 16, BKJ). Vemos, assim, que a igreja somente assumia o caso quando não havia as duas primeiras possibilidades.

Existem três espécies de viúvas:

1. Viúvas verdadeiras (v. 5)

Considerada verdadeiramente viúva é aquela que vive só, sem familiares que se importem por ela (v. 4,8) e que não receba assistência de ninguém mais de fora (v. 16). No entanto, elas ainda são ativas do ponto de vista espiritual: elas colocam sua esperança em Deus; elas permanecem em oração e súplicas (não apenas com orações, mas imploram com súplicas).

A verdadeira viúva teve uma vida cristã ativa. “Nenhuma mulher deve ser inscrita na lista de viúvas, a não ser que tenha mais de sessenta anos de idade, tenha sido fiel a seu marido e seja bem conhecida por suas boas obras, tais como criar filhos, ser hospitaleira, lavar os pés dos santos, socorrer os atribulados e dedicar-se a todo tipo de boa obra” (v. 9-10).

Uma viúva deveria ser inserida na lista apenas se tivesse mais de 60 anos de idade, idade limite para ingressar na faixa dos idosos tanto na concepção judaica como no Império Romano. Paulo assumiu essa regra corrente.

Que “tenha sido fiel a seu marido”. Aqui é feita uma alusão à fidelidade da mulher. É o mesmo sentido da recomendação para o presbítero, no capítulo 3.2, que deveria ser marido de uma só mulher. Essa qualificação ressalta o aspecto moral. Trata-se de uma limitação clara em relação aos costumes praticados por uma sociedade pagã.

“... seja bem conhecida por suas boas obras...” Esse testemunho é descrito em cinco afirmações:

1. “... criar filhos”: nesse caso não se trata da obrigatoriedade de gerar filhos em si, pois isso excluiria todas as mulheres que não tiveram filhos dos planos de provisão e sustento da igreja. Trata-se muito antes de observar, caso tenha filhos, de como estes foram educados. Não raramente se observa, na atitude dos filhos, os reflexos do ambiente da casa em que são criados – se os pais realmente se empenham por seus filhos ou se eles ficam “abandonados”. A descrição indica uma mulher que teve uma vida exemplar diante de sua família, no cuidado, na provisão, na criação e na educação dos filhos.

Segue um exemplo: um escritor italiano pretendia escrever um livro sobre a criminalidade juvenil. Por volta das 23h ele telefonou para doze residências de famílias abastadas, visando perguntar aos pais se eles sabiam onde estavam seus filhos naquele momento. As seis primeiras ligações foram atendidas por crianças que não sabiam informar sobre onde poderiam encontrar seus pais.

2. “... ser hospitaleira”: observemos a sequência. Primeiramente importa a situação na própria família, quando são mencionadas as características: esposa de um só marido e que tenha criado filhos. Depois a referência é com os que são de fora da família, onde a hospitalidade é um componente importante.

3. “... lavar os pés dos santos”: essa descreve a entrega sacrificial pelo bem-estar dos outros e a demonstração de semelhança com Jesus. Ela não se negou a fazer qualquer serviço. A passagem de João 13 relata que Jesus, após ter lavado os pés dos seus discípulos, lhes disse: “Pois bem, se eu, sendo Senhor e Mestre de vocês, lavei os seus pés, vocês também devem lavar os pés uns dos outros. Eu dei o exemplo, para que vocês façam como lhes fiz. Digo verdadeiramente que nenhum escravo é maior do que o seu senhor, como também nenhum mensageiro é maior do que aquele que o enviou. Agora que vocês sabem estas coisas, felizes serão se as praticarem” (Jo 13.14-17).

4. “... socorrer os atribulados”: as tribulações podem ser das mais variadas espécies. Pode significar sofrimento na família, sofrimento do corpo, podem ser perseguições ou luto, mas também pode tratar-se de fisicamente atribulados.

5. “... dedicar-se a todo tipo de boa obra”: são as mulheres que tinham a prática, superando suas limitações, de zelar pelo bem-estar de outros. Elas não medem esforços e constantemente assumem tarefas dentro e fora do âmbito da igreja. Um exemplo disso é Tabita, conforme lemos em Atos 9.36: “Em Jope havia uma discípula chamada Tabita, que em grego é Dorcas, que se dedicava a praticar boas obras e dar esmolas”.

Provavelmente muitos dos que estavam sob a liderança de Timóteo na igreja de Éfeso receberam as instruções contidas em 1Coríntios.

A igreja tem a responsabilidade de zelar por essas viúvas. Elas devem ser inscritas na relação dos favorecidos (v. 9) e devem ser atendidas (v. 16).

Que lições podemos extrair desses versículos para os dias atuais? Pela diferença na expectativa de vida, de acordo com a média atual, mais esposas se tornarão viúvas; também em nossas igrejas temos muitas mulheres que perderam os maridos. Essas mulheres têm oportunidade de cooperar nas atividades espirituais? Elas são convidadas e motivadas a empregar seus dons e habilidades? Alguém se importa por elas? Elas recebem visitas?

2. Viúvas não verdadeiras (v. 6-7)

Provavelmente havia o caso de viúvas que foram inseridas nas listagens para auxílio, mas que não estavam dispostas a cooperar na área espiritual das igrejas. A posição delas era receber mas não dar. Elas buscavam somente o benefício próprio e a Bíblia nos adverte contra isso. A Bíblia diz que quem age assim “mesmo vivo, está morto”, porque possivelmente é crente, mas não vive comprometido com a fé. Timóteo deveria denunciar isso publicamente. Por quê? Para que as verdadeiras viúvas permanecessem irrepreensíveis e não caíssem na tentação de também agir desse modo ou de pensarem erradamente.

Talvez alguma das verdadeiras viúvas pudesse pensar: “Vejam só! Aquela recebe o mesmo auxílio como nós, mas não faz absolutamente nada em retribuição. Nós trabalhamos, oramos e suplicamos e essa recebe exatamente o mesmo apoio, levando uma vida mansa”.

Não é isso o que às vezes acontece nas igrejas, quando irmãos que cooperam ativamente caem na tentação de pensar ou de até falar algo semelhante? “Afinal, por que estou aqui me desgastando? São sempre os mesmos que estão aqui para trabalhar e para puxar a carroça. São sempre os mesmos que participam das reuniões de oração, que fazem as visitas, que convidam e estão dispostos a executar as tarefas. Tudo depende sempre das mesmas pessoas. Os outros se encolhem a uma vida tranquila, até participam de alguma atividade; porém, quando se trata de usufruir algo, estão na ponta. Trabalhar, no entanto, não entra em cogitação. Acho que vou fazer a mesma coisa, afinal, não sou louco e também já perdi a vontade.” Essas palavras foram escritas para que tais pensamentos e comentários não se criem.

3. Viúvas mais novas (v. 11-15)

As viúvas jovens não devem ser incluídas na relação das que recebem assistência. Para tanto, são mencionados dois argumentos:

1. “... quando os seus desejos sensuais superam a sua dedicação a Cristo, querem se casar.” Essa é uma afirmação de difícil compreensão e que procuraremos entender com auxílio de 1Coríntios 7.8-9: “Digo, porém, aos solteiros e às viúvas: É bom que permaneçam como eu. Mas, se não conseguem controlar-se, devem casar-se, pois é melhor casar-se do que ficar ardendo de desejo” (1Co 7.8-9).

Precisamos levar em conta que essa carta aos Coríntios foi escrita alguns anos antes da 1ª carta a Timóteo: 1Coríntios foi escrita em 56 d.C. e 1Timóteo surgiu por volta de 64 d.C. E qual é a influência disso? Provavelmente muitos dos que estavam sob a liderança de Timóteo (1.3) na igreja de Éfeso receberam as instruções contidas em 1Coríntios. Assim, é possível que, com base em 1Coríntios 7.8, tenham apressadamente feito um voto de não se casar mais ao ficarem viúvas. No entanto, ao fazê-lo, não consideraram devidamente a afirmação do apóstolo relatada no versículo 9. Antes de tomar uma decisão impensada e não poder cumpri-la, deveriam se casar o quanto antes, para não correrem o risco de quebrar o primeiro voto de fidelidade, isto é, a promessa feita a Cristo de não se casar novamente. De alguma maneira, as passagens de 1Coríntios e de 1Timóteo tratam do mesmo assunto. Ambas harmonizam entre si e se complementam. Acontece, porém, que até então eles lidaram de modo errado com a orientação de 1Coríntios e, por isso, Paulo amplia as instruções em 1Timóteo. Havia viúvas jovens que queriam ser incluídas na relação da assistência sem, no entanto, estarem dispostas a cooperar com os trabalhos. Ao invés disso, elas tinham tempo para “fazer e acontecer” e voltavam a se preocupar com a ideia do casamento.

2. Ao constarem na lista da assistência, as viúvas mais jovens estavam devidamente amparadas e dispunham de bastante tempo. Elas quase não tinham tarefas a realizar e, assim, tornavam-se ociosas. Então passavam o tempo visitando outras famílias ou amigas. Com isso, acabavam se tornando fofoqueiras e curiosas, sendo levadas a falar coisas indevidas (v. 13).

Ao invés de cair nas armadilhas do Diabo através de um voto apressado, elas deveriam pensar em logo casar outra vez e evitar os perigos descritos anteriormente. “Portanto, aconselho que as viúvas mais jovens se casem, tenham filhos, administrem suas casas e não deem ao inimigo nenhum motivo para maledicência. Algumas, na verdade, já se desviaram, para seguir a Satanás” (v. 14-15). Além disso, essa exortação segue exatamente na mesma direção das instruções de 1Timóteo 2.9-15, que analisamos alguns meses atrás.

Norbert Lieth é autor e conferencista internacional. Faz parte da liderança da Chamada na Suíça.

sumário Revista Chamada Maio 2020

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