Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo

Poucas palavras são maiores do que essas do título, que encontramos em Lucas 23.34. E elas foram pronunciadas por Deus em Jesus Cristo! Pelo Criador dos céus e da terra, que sustenta e mantém todo o universo!

O contexto da passagem, contudo, é bastante diferente da posição de honra que Cristo possui. Ele está suspenso na cruz e, enquanto escarnecem dele, maltratam-no a ponto de deixá-lo irreconhecível e finalmente o pregam na cruz, ele promete perdão e diz: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo”!

O sentido mais amplo desse pedido também é: “Pai, abandona tua ira; Pai, deixa-os agir, permite isso!”. Enquanto eles o escarnecem e torturam, Jesus pede ao Pai que tudo aquilo seja permitido. Teria sido fácil para Jesus colocar seus torturadores no devido lugar. Os soldados não tombaram como palitos no jardim do Getsêmani? Quando Jesus estava diante de Pilatos e este se vangloriava de seu poder e autoridade, Jesus disse-lhe: “Você acha que eu não posso pedir a meu Pai, e ele não colocaria imediatamente à minha disposição mais de doze legiões de anjos?” (Mt 26.53). Apesar de não buscar exatidão, uma legião podia chegar a ter entre três e seis mil soldados, ou seja, tal exército disporia de um poder incrível – basta lembrar que certa noite bastou um único anjo para dizimar 185 mil soldados do exército assírio (2Rs 19.35).

Como nós reagiríamos?

Agora, então, esse Jesus está suspenso na cruz e ora: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo...”. Só o próprio Deus é capaz de algo assim! Como nós reagiríamos se algum dos nossos filhos fosse espancado, cuspido, açoitado e finalmente pregado na cruz? Provavelmente a nossa reação seria de fúria ou ira, ou então de profunda impotência. E se tivéssemos poder para defender-nos, libertaríamos imediatamente o nosso filho e puniríamos seus algozes com máximo rigor. Para Deus teria sido simples proteger seu Filho, acertar as contas com os torturadores e simplesmente aniquilá-los.

No entanto, ocorre exatamente o oposto! O Filho maltratado, torturado e pregado na cruz roga a seu Pai: Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo. Com isso ele diz: “Pai, permite! Pai, deixa que aconteça!”. Não consigo (nem ouso) imaginar o que terá passado no coração paterno de Deus! Diante da sua santidade, Moisés se descalçou e se prostrou em terra (Êx 3); os sacerdotes Nadabe e Abiú caíram mortos por terem desprezado a santidade de Deus (Lv 10.1-2); e o profeta Isaías exclama em tremor diante dessa santidade: “Ai de mim! Estou perdido! Pois sou um homem de lábios impuros...” (Is 6.5).

Deus se cala

E agora Deus precisa assistir à cena de seu amado Filho sendo cuspido, açoitado e pregado na cruz como um criminoso! Esse Deus santo haveria simplesmente de ficar calado? Ele, o Puro, haveria de permanecer inerte? Ele, o Justo, haveria de assistir impassível à maior das injustiças? Ele, a respeito de quem está escrito que “aquele que pede contas do sangue derramado não esquece; ele não ignora o clamor dos oprimidos” (Sl 9.12). Ele, então, haveria de ignorar o clamor do seu Filho, desconsiderar as torturas e liberar os torturadores? No entanto, ainda antes da fundação do mundo o Pai e o Filho concordaram em estabelecer que a ira atingiria Jesus, que agora pende da cruz! E assim lemos, em 1Pedro 1.20: “Conhecido antes da criação do mundo, revelado nestes últimos tempos em favor de vocês”.

A sentença se cumpriu

A sentença condenatória teria de ser cumprida em Jesus Cristo. Este é o sentido do pedido de Jesus: “Pai, não os castigues, não imponhas tua ira sobre eles, mas em mim!”. Assim Jesus é feito pecado em nosso favor. E, enquanto essa terrível condenação é executada nele (em Jesus), ele implora a seu Pai: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo...”.

Isso é o que Jesus vem orando o tempo todo: enquanto cuspiam nele, enquanto o espancavam, enquanto o maltratavam e o pregavam na cruz. Jesus pede ao Pai que não impusesse sua ira sobre eles, mas sobre SI, o Cordeiro de Deus! Jesus conhecia o propósito da sua vinda: tomar sobre si o pecado do mundo e deixar a condenação ser executada nele, a fim de que pudéssemos ser libertados. Por isso Jesus permitiu que agissem, e assim aconteceu o horror: “Mas ele foi traspassado por causa das nossas transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniquidades; o castigo que nos trouxe a paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos curados” (Is 53.5). Com isso Jesus comprova o seu grande amor: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos” (Jo 15.13). Por isso podemos agora nos achegar a Deus. Ele nos oferece o presente do perdão e podemos nos tornar filhos de Deus.

Samuel Rindlisbacher é ancião da igreja da Chamada na Suíça e foi fundamental no desenvolvimento do grande ministério de jovens dela.

sumário Revista Chamada Abril 2021

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