Samuel Rindlisbacher

Posso muito bem imaginar que uma das palavras negativas do ano passado foi “distanciamento social”. Por decreto, somos obrigados a distanciar-nos socialmente, não podemos dar apertos de mão nem abraços. Nos cultos é preciso manter distância e entoar cânticos distantes uns dos outros. Em nossas compras usamos máscaras, desinfetamos as mãos a todo momento, espirramos no cotovelo e escondemos nossa mímica atrás de um pedaço de pano. E assim, pouco a pouco, degeneramos em gente sem rosto, sem expressão, quase em seres sem alma. No entanto, dependemos tanto do nosso próximo, de suas reações e respostas, do seu favor e de sua solidariedade. Ansiamos por um abraço carinhoso, uma palavra amorosa, um olhar compreensivo e um caloroso aperto de mão.

Todavia, parado – está em vigor o distanciamento social! Não pretendo questionar o sentido dessas providências, mas, apesar de tudo, tenho uma sensação desagradável. Onde fica o ser humano? O homem com sua estrutura de alma, espírito e corpo?

Diante disso, ocorre-me que há alguém – o próprio Deus – que poderia muito bem ter adotado o distanciamento social. Ele, que habita numa luz inacessível, que é por natureza santo e puro, poderia muito bem ter se isolado. Mas ele faz o oposto. Ele se tornou homem e se inclinou aos desprezados, curou enfermos sem temer o contágio, sentou-se à mesa com os excluídos, compadeceu-se dos que choram, consolou os abandonados e restaurou os miseráveis.

Sim, Deus se incomoda com o nosso distanciamento social, especialmente com o “distanciamento social” em relação a ele – o pecado que nos separa dele. E, por ser assim, o Deus Filho assume voluntariamente uma espécie de “distanciamento social”, pois ele abandona o mundo perfeito do céu, seu reino eterno no qual todos os anjos o servem, e a íntima comunhão com seu Pai. Desta forma, ele assume um “distanciamento social” em relação ao Pai, ao seu reino, seus anjos, sua área de influência e seu poder. Ele assume nossa culpa e nosso pecado, carrega a cruz da vergonha, deixa-se pregar nela, ele “que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz!” (Fp 2.6-8).

Na cruz do Calvário ele suportou o pior de todos os “distanciamentos sociais”. Seus amigos desviam-se dele, seus inimigos cospem nele e o torturam. Ele é atacado pelo inferno e depois abandonado até mesmo pelo seu Pai. Este é o “distanciamento social” divino, causado pelo meu, pelo nosso pecado e nossa culpa. Contudo, ao assumir o “distanciamento social”, Deus remove a nossa causa do “distanciamento social”, o pecado, porque “Deus tornou pecado por nós aquele que não tinha pecado, para que nele nos tornássemos justiça de Deus” (2Co 5.21).

Assim podemos retornar a ele, não só para um aperto de mão ou um rápido abraço, uma palavra carinhosa ou um gesto convidativo. Não, é muito mais: ele nos convida a nos tornarmos seus herdeiros e até mesmo seus filhos – e para sempre. Ele removeu o “distanciamento social” para que possamos estar com ele, na sua festa. “E ‘serei o seu Pai, e vocês serão meus filhos e minhas filhas’, diz o Senhor todo-poderoso” (2Co 6.18).

Uma cordial saudação a todos e feliz Ano Novo!

Samuel Rindlisbacher é ancião da igreja da Chamada na Suíça e foi fundamental no desenvolvimento do grande ministério de jovens dela.

sumário Revista Chamada Janeiro 2021

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