Um Exercício de Lembrança
O filósofo espanhol George Santayana (1863-1952) disse a famosa frase: “Aqueles que não conseguem lembrar do passado estão condenados a repeti-lo”.1 Conhecer o passado é um exercício de lembrança, e não de esquecimento. O motivo para isso é que a lembrança é fundamental para a vida em si. A história lembra eventos, fé e indivíduos reconhecidamente fundamentais para as nossas vidas.
Por todo o Antigo Testamento, é fácil discernir a prioridade que é dada à lembrança. O povo judeu, por exemplo, observava a Páscoa para lembrar-se de sua escravidão no Egito e de como Deus os libertara e redimira de seu cativeiro (Lv 23; Dt 16). Os crentes de hoje em dia, é claro, também tem o seu cordeiro pascal – o Senhor Jesus Cristo – e o seu sacrifício não precisa ser repetido (Hb 7.1-28; 9.23-26). No Antigo Testamento, é visível que a vitalidade da nação de Israel não apenas estava relacionada à sua confiança contínua em Deus, mas também à lembrança das obras dele em seu favor. Até mesmo a igreja tem dias especiais para lembrar-se, tais como o nascimento do Senhor Jesus no Natal e a ressurreição do Messias na Páscoa.
Existem vários dias memoráveis nos calendários do mundo todo. O Dia da Bastilha é um dia de comemorar o momento decisivo na Revolução Francesa. Os belgas têm o seu Dia Nacional, os italianos têm o seu Dia da Festa de São Genaro. A celebração mais importante da independência e liberdade individual norte-americana é rememorada no Quatro de Julho. A memória da nação está entesourada em concreto e granito, como o monte Rushmore e o Monumento de Washington. Até mesmo as moedas e o dinheiro são lembranças contínuas do passado ilustre da nação. A fim de evitar ser moldado por quaisquer que sejam as formas inteiramente novas que os líderes emergentes desejam, é importante lembrar o passado. O resultado do esquecimento não é um “novo” povo; pelo contrário, será uma população perdida e moribunda. Por esta razão, Judas 5 começa com uma exortação aos crentes para que lembrem do passado.
Os cristãos precisam evitar enxergar o Antigo Testamento meramente como um interessante registro de eventos históricos; eles devem também examinar como suas vidas são impactadas com base no que aqueles eventos históricos verdadeiros comunicam.
Lembrem do Passado
Judas 3-4 adverte para que se reconheçam aqueles que ameaçam a fé cristã: (1) os ímpios; (2) os sensualistas; e (3) os rebeldes. Seguindo esta primeira exortação, os próximos versículos advertem os crentes a lembrarem-se do passado: “... quero lembrá-los...” (v. 5). Pode-se assumir que aqueles que liam os versículos 5-7 conheciam os eventos históricos mencionados. De fato, o ponto é que os leitores sabiam – mas precisavam ser lembrados – do julgamento de Deus no passado. Deus julgou algumas das pessoas que faziam parte da nação da aliança de Israel. Ele também julgou alguns dentre os anjos (santos) eleitos, e julgou Sodoma e Gomorra “e as cidades em redor”.
Os crentes precisam aplicar seu conhecimento do passado às suas experiências atuais. Há um perigo em conhecer eventos históricos de forma meramente acadêmica (o que significa conhecer algo intelectualmente, mas sem aplicar esse conhecimento de forma que impacte sua vida). Há um relacionamento constante entre o que uma pessoa professa e o impacto dessa crença sobre as suas ações. Se a confissão de um cristão e suas ações se contradizem entre si inteiramente, então pode-se presumir que tal indivíduo, ou é um hipócrita mentiroso, ou muito confuso (ou até mesmo ambos). Os cristãos precisam evitar enxergar o Antigo Testamento meramente como um interessante registro de eventos históricos; eles devem também examinar como suas vidas são impactadas com base no que aqueles eventos históricos verdadeiros comunicam.
Deus salvou “um povo do Egito”; no entanto, nem todos foram salvos num sentido espiritual. Depois de 40 anos de peregrinação no deserto, Deus, “posteriormente, destruiu os que não creram” (v. 5). Há muitas pessoas que simplesmente se associam com outras, mas não compartilham das crenças e convicções do grupo maior. O mesmo é verdadeiro no que diz respeito à igreja atual. Por exemplo, Hebreus 6.7-8 faz referência ao mundo natural para distinguir entre um verdadeiro crente (v. 7) e um apóstata (v. 8).
A verdadeira fé se manifesta em uma vida de trabalho piedoso e amor ativo pela família de Deus.
Ao serem comparados a uma terra recebendo chuva revigorante, tanto o crente quanto o apóstata experimentam os mesmos privilégios (6.4-5). A safra da vegetação (v. 7-8) indica a resposta definitiva para os privilégios recebidos, a qual determina se a terra é abençoada ou amaldiçoada (Hb 6.4-6,8 indica ações que não acompanham a salvação). Duas “coisas próprias da salvação” (6.9) são evidentes na vida do cristão: “trabalho” e “amor” (6.10). A verdadeira fé se manifesta em uma vida de trabalho piedoso e amor ativo pela família de Deus. Hebreus 6 alerta aqueles que experimentam muitas bênçãos como resultado de se associarem com o povo de Deus, mas não são verdadeiros crentes. Isso é o que ocorreu no Antigo Testamento e foi a experiência da igreja primitiva, e, portanto, desafia os cristãos no presente. O ponto de Judas 5 é que Deus julgará “os que não creram”, em contraste com aqueles que conhecem e obedecem a inspirada Palavra de Deus.
“E, quanto aos anjos que não conservaram suas posições de autoridade mas abandonaram sua própria morada, ele [Deus] os tem guardado em trevas, presos com correntes eternas para o juízo do grande Dia” (Judas 6). Os anjos que pecaram estavam insatisfeitos com Deus. Sua atitude rebelde não foi mencionada para ensinar os cristãos (uma vez que era presumido que tal verdade já era conhecida); pelo contrário, o versículo 6 foi escrito para fazer com que os crentes lembrassem do que havia acontecido com os anjos. Há duas verdades comunicadas em Judas 5-6: (1) “os que não creram” e os anjos que pecaram experimentarão o julgamento de Deus; e (2) os cristãos não devem seguir o exemplo daqueles que serão julgados.
O último exemplo a ser lembrado é de Sodoma e Gomorra. Os habitantes dessas cidades foram julgados por seu estilo de vida impenitente. Eles são listados com Israel e os anjos, “pois em Deus não há parcialidade” (Rm 2.11). Existem apóstatas entre todos os tipos de pessoas e lugares, mesmo entre aqueles que se associam exteriormente com os crentes.
Lembrem das Profecias
Os fatos de Judas 5-7 eram conhecidos por “certos homens”, mas, “da mesma forma, esses [indivíduos] sonhadores contaminam o próprio corpo, rejeitam as autoridades e difamam os seres celestiais” (v. 8). A referência aqui é ao comportamento adúltero entre a liderança. Eles contaminaram a si mesmos em conjunto com as falsas profecias e revelações que afirmavam terem recebido em sonhos, e dessa forma levavam o povo de Deus a desviar-se (cf. Jr 23). Sempre se proteja daqueles que apelam a experiências subjetivas em vez da verdade objetiva (proposicional) da Palavra de Deus.
Quando o povo de Deus estiver mais satisfeito nele, então ele é verdadeiramente glorificado ao máximo neles.
O antissistema insulta aqueles a quem se deve honra e respeito (Judas 8-9). Por suas ações, eles “difamam tudo o que não entendem... como animais irracionais” (v. 10). Tal comportamento é inteiramente contrário ao exemplo do arcanjo Miguel (v. 9), que até mesmo demonstrou respeito ao Diabo no tocante ao corpo de Moisés. Ao invés de ignorar os limites estabelecidos por Deus (semelhantes àqueles dos versículos 5-7), Miguel não usou sua posição ou poderes auxiliares como arcanjo, mas confiou naquele que é o verdadeiro juiz para repreender o Diabo (cf. Ap 12.7-9).
“Ai deles!” é um clamor em resposta à ruína daqueles que insultam o Deus vivo; seu destino é o mesmo de Caim, Balaão e Corá (v. 11). Judas 12-13 fornece uma miríade de imagens para capacitar os crentes a identificar aqueles que podem prejudicar a fé cristã. Deus irá “julgar a todos” os ímpios (v. 15), que são conhecidos por suas palavras e atos (v. 16) e que têm ameaçado o cristão desde os tempos antigos (v. 14). Ser dirigido por seus próprios desejos nunca é satisfatório, pois o prazer não permanece. Sempre encontrando falhas em Deus, sua Palavra e seu povo, os ímpios são especialistas em bajulação (v. 16; Lc 6.26).
Apenas viver pela fé e em obediência à Palavra de Deus resultará numa satisfação perene. Os “amados” de Deus são exortados a lembrar-se das palavras da inspirada Palavra de Deus; a viver de forma a continuar recebendo as bênçãos do amor divino, enquanto aguardam o retorno do Senhor (v. 17-21). Quando o povo de Deus estiver mais satisfeito nele, então ele é verdadeiramente glorificado ao máximo neles.
Lembrem do Nascimento do Senhor
C. S. Lewis disse uma vez: “Todos estão cansados muito antes do dia 25 de dezembro – fisicamente cansados por semanas de luta diária em lojas superlotadas, mentalmente cansados pelo esforço de lembrar de todos os destinatários corretos e dos presentes adequados para eles. Eles não estão em um bom estado para alegrar-se; quanto menos (se assim desejarem) para participar de um ato religioso”.2 Com todo o corre-corre dessa época do ano, Lewis nos faz lembrar de não deixar planos e programações se tornarem tão desafiantes que não temos tempo de pausar e focar no verdadeiro significado do Natal. Mesmo que o Natal seja uma tradição feita por homens, há um princípio divino a se considerar. Assim como os leitores de Judas foram desafiados a exercitar a lembrança, todos os cristãos de hoje fariam bem em ponderar o enorme sacrifício que Deus fez ao vir e habitar entre a humanidade.
Todas as pessoas se beneficiarão com cristãos que se comprometem a celebrar o dia do Natal de uma maneira que testemunha da realidade do nascimento de Cristo, de forma que Deus recebe toda a glória. Verdadeiramente, o maior presente para a humanidade se fez no dia do nascimento do Senhor. Deus amou o mundo de tal forma que deu à humanidade o presente mais precioso: o Salvador, que é Jesus. “Graças a Deus por seu dom indescritível!” (2Co 9.15) – não apenas no dia 25 de dezembro, mas todo e cada dia.
Notas
- George Santayana, The Life of Reason, 5 vols. (Nova York: Scribner’s, 1905- 06), 1:284.
- C. S. Lewis, The Joyful Christian (Nova York: Collier Books, 1977), p. 204.