O veneno da teoria racial

O racismo continua sendo um problema e fenômeno moderno. Se há mais de 100 anos se atribuíam defeitos morais ou mentais a negros ou judeus por causa da sua ascendência, hoje os militantes “antirracistas”, principalmente nos EUA, revertem a agressão, passando agora a enxergar defeitos morais na “raça branca”. Ray Pritz demonstra o perigo que toda forma de teoria racial representa numa retrospectiva do Holocausto e numa citação de um crente alemão que, embora queira amar os judeus, está ao mesmo tempo marcado e envenenado pela teoria racial da sua época. Eis uma retrospectiva como alerta para o presente.

O tratamento dado aos judeus nos séculos 19 e 20 foi influenciado pela criação da nova ciência da antropologia, o estudo das origens e do comportamento da humanidade. Nessa nova área do conhecimento, que só surgiu no século 18, cometeram-se alguns erros. As diferenças evidentes entre os povos são físicas e externas. No início, os antropólogos distinguiam cinco diferentes raças, baseando-se primariamente na cor da pele, mas chegaram ao ponto de associar características mentais e morais a essas “raças”. Assim, por exemplo, diziam que os negros seriam mentalmente inferiores aos brancos.

Os judeus foram inicialmente atribuídos à raça branca. No entanto, um desenvolvimento diferenciado no campo da linguística mudou isso. Reconheceram-se ligações entre determinados idiomas porque estes derivaram um do outro ou porque vários idiomas descendiam de um idioma primitivo comum. Assim, o francês, o espanhol, o italiano e vários outros idiomas são chamados hoje de “românicos” porque todos derivaram do latim, a língua de Roma. No final do século 18 e início do 19 constatou-se que, na sua maioria, os idiomas europeus são aparentados e descendem de um idioma primitivo, semelhante ao sânscrito, o antigo idioma indiano. Hoje esses idiomas são chamados de indo-germânicos, mas antes se chamavam “idiomas arianos”. Por motivos linguísticos justificados, eles eram distinguidos dos idiomas do grupo semítico. Os idiomas semíticos incluem o árabe, o aramaico, o hebraico, o amárico e mais alguns outros.

Os antropólogos cometeram o erro de dividir suas raças não-semitas em subgrupos baseados em divisórias linguísticas. Passaram então a falar não mais apenas em idiomas arianos e semitas, mas de raças arianas e semitas. Isto foi um erro absoluto, que os atuais antropólogos rejeitam. Infelizmente, ele penetrou na cultura geral da Europa do século 19. Esse erro já tinha sido comprovado antes de Adolf Hitler chegar ao poder, em 1933, mas naquele momento isso se tornou um fundamento essencial do programa nazista, que se baseava na doutrina da superioridade da raça alemã (ariana).

A teoria racial também influiu no pensamento eclesiástico. A posição tradicional – mesmo nos tempos do antissemitismo cristão – afirmava que um judeu que cresse em Jesus e fosse batizado seria uma nova criação e não poderia ser rejeitado em função da sua descendência judaica. No entanto, depois de se ter aceitado a ideia de que as raças distinguiam-se em particularidades essenciais do seu ser e que as supostas qualidades malignas dos judeus seriam mais do que um condicionamento religioso ou cultural, nada mais poderia ajudar os judeus. Eles não poderiam mudar, e o batismo de um judeu seria tão eficaz como o de um cão.

Dessa forma, não surpreende que os cristãos ficassem confusos. Alguns reconheceram o potencial maligno dessas teorias raciais, mas a maioria se deixou levar pela correnteza desse “progresso científico” e da opinião pública. A seguinte citação do ano de 1913 é de um homem que, em sua geração, era conhecido como apoiador da evangelização dos judeus:

Será que serei capaz de amar os judeus? Certamente não no plano natural. São excessivos os fatores que me separam deles. Seus comportamentos típicos distinguem-se demais dos meus. Eles têm um outro espírito. Não que seu comportamento seja pior que o meu; longe de mim elevar-me acima de uma outra raça, mas ele é diferente e há um contraste crasso com as minhas opiniões como alemão. A mentalidade judia vem ganhando uma influência cada vez maior sobre o pensamento e o comportamento do meu povo, e eu vejo nisso um perigo para a existência alemã, porque a renúncia às suas características típicas corresponderia para um alemão a renunciar ao seu próprio eu, e este é o início do fim do indivíduo e também de toda a nação. Seja como for que eu considere a situação, estou consciente do profundo abismo que me separa dos judeus, e nenhum argumento racional é capaz de transpô-lo. [...] Como homem, o judeu permanece judeu e eu, alemão. Sinceramente, não há como superar isso. Para que eu ame o judeu, preciso que esse amor me seja concedido. Só existe um capaz disso e este é Jesus. [...] No amor de Jesus aprendi a amar o judeu, e creio que nunca perderei esse amor.

Ray Pritz

Ray Pritz é ex-diretor da Sociedade Bíblica de Israel e trabalha atualmente no Departamento de Traduções das Sociedades Bíblicas Unidas, preparando materiais de recurso para tradutores da Bíblia.

sumário Revista Chamada Novembro 2020

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