Paulo e a esperança de Israel

Paulo não é só um exemplo para a igreja a que ele servia, mas também para o povo de Israel, do qual ele provinha. Um estudo bíblico profético.

Paulo diz de si mesmo que ele é um “exemplo” para aqueles que ainda serão salvos no futuro pela longanimidade de Deus: “Esta palavra é fiel e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal. Mas, por esta mesma razão, me foi concedida misericórdia, para que, em mim, que sou o principal pecador, Cristo Jesus pudesse mostrar a sua completa longanimidade, e eu servisse de modelo para todos os que hão de crer nele para a vida eterna” (1Tm 1.15-16, NAA). – Por que será que o apóstolo enfatiza tanto o “mim, o pior”? É verdade que Paulo foi um grande pecador, mas não foi o pior de todos. Houve outros piores do que ele: basta pensar no rei Manassés, no Antigo Testamento (2Rs 21.9-18).

A mim parece que essa declaração do apóstolo tem um significado de natureza profética. Paulo declara-se um exemplo ou modelo para aqueles que ainda viriam a crer em Jesus Cristo e receberiam a vida eterna (v. 16). Isto se refere a todos. Mais profundamente, porém, vemos aqui de modo profético também o povo judeu. Desses (judeus) Paulo é o primeiro[1] e, como tal, um modelo para o remanescente de Israel, que ainda encontrará Jesus Cristo em sua totalidade ao fim de tudo.

Em 1Coríntios 15.8, Paulo diz a respeito de si mesmo: “Depois destes apareceu também a mim, como a um que nasceu fora de tempo”. O teólogo alemão Ludwig Albrecht traduziu aqui “prematuro”. A Bíblia de Estudo Scofield observa: “Nascido antes do tempo, prematuramente. Paulo se considerava um israelita, cuja hora de nascer de novo não havia chegado para a nação como um todo (comp. Mt 23.39), de modo que sua conversão pela manifestação do Senhor em glória (At 9.3-6) foi uma ilustração ou exemplo anterior à futura conversão nacional de Israel. Veja Ez 20.35-38; Os 2.14-17; Zc 12.10–13.6; Rm 11.25-27; 1Tm 1.16”.[2]

Quanto à restauração de Israel, Paulo escreve algo estranho: “Pergunto, pois: Acaso Deus rejeitou o seu povo? De maneira nenhuma! Eu mesmo sou israelita, descendente de Abraão, da tribo de Benjamim” (Rm 11.1). Aqui também vemos o apóstolo posicionando-se como exemplo da salvação ainda potencial de Israel e para o fato de que Israel não foi rejeitado. Mas por que Paulo enfatiza expressamente que ele vem da tribo de Benjamim?

Qual era o nome de Paulo antes da sua conversão? Saulo. Este nome é a forma grega do hebraico “Saul”. O Saul do Antigo Testamento também era benjamita (1Sm 9.1-2), e esse primeiro rei de Israel foi rejeitado por Deus (1Sm 15.23,26; ver tb. 16.7). O Saul(o) do Novo Testamento, porém, foi aceito por Deus.

Será que Paulo talvez aponta para o rei Saul, o rejeitado, para enfatizar que Israel não foi rejeitado? Bem parece que Deus nos mostra na pessoa de Saulo de Tarso (Paulo) a graça da restauração e nova aceitação de Israel. Saul é o benjamita sujeito à Lei e que por isso experimenta toda a dureza desta e a condenação. Ele representa o povo de Israel sujeito à Lei.

A mensagem dada ao rei Saul foi: “Você agiu como tolo, desobedecendo ao mandamento que o Senhor, o seu Deus, deu a você” (1Sm 13.13a). Saulo de Tarso, por sua vez, é aquele benjamita que está sob a graça e que por isso recebe misericórdia. É nesse ponto que Deus retoma o processo de salvação do povo de Israel.

Paulo testifica: “Mas, por esta mesma razão, me foi concedida misericórdia, para que, em mim, que sou o principal pecador, Cristo Jesus pudesse mostrar a sua completa longanimidade, e eu servisse de modelo para todos os que hão de crer nele para a vida eterna” (1Tm 1.16, NAA). A Saul, porém, foi dito: “A obediência é melhor do que o sacrifício...” (1Sm 15.22), e o Senhor Jesus ensina: “Vão aprender o que significa isto: ‘Desejo misericórdia, não sacrifícios’. Pois eu não vim chamar justos, mas pecadores” (Mt 9.13).

Na pessoa de Saulo, a graça triunfa sobre a Lei. Por meio disso, Deus nos mostra que Israel não foi rejeitado do mesmo modo como Saul. Saulo de Tarso é uma imagem da nova graça para um Israel que fracassou sob a Lei.

Neste contexto, também cabe registrar as declarações proféticas a respeito de Benjamim: antes de José se dar a conhecer aos seus irmãos, no Egito, ele exigiu deles que trouxessem Benjamim com eles sem falta (Gn 42.15; 43.3-5,13,29; 45.12). Quando então Benjamim chegou, ele recebeu do banquete uma porção cinco vezes maior que seus irmãos (43.34). José disse justamente a respeito de Benjamim: “‘É este o irmão caçula de quem me falaram?’ E acrescentou: ‘Deus lhe conceda graça, meu filho’” (Gn 43.29).

Vemos assim brilhar na pessoa do apóstolo Paulo a graça de Deus para a esperança futura de Israel (Rm 11.26). Seu novo nascimento é um exemplo do futuro renascimento do povo judeu, quando a Lei será inscrita em seus corações (Hb 8.10). A manifestação da glória de Jesus na estrada de Damasco é um vislumbre da manifestação de Jesus para Israel quando ele retornar (Mt 24.30). Paulo converteu-se por meio de uma revelação direta de Jesus a partir do céu, sem ajuda humana (At 9.1-16). Assim também Israel se voltará ao seu Messias no fim dos tempos.

A resistência anterior de Paulo a Jesus e à sua igreja é similar ao comportamento do judaísmo atual (At 7.51). A longanimidade de Deus, que Paulo testifica em sua vida, é a paciência do Senhor com Israel: “Por isso mesmo alcancei misericórdia, para que em mim, o pior dos pecadores, Cristo Jesus demonstrasse toda a grandeza da sua paciência, usando-me como exemplo para aqueles que nele haveriam de crer para a vida eterna” (1Tm 1.16, NAA). Paciência significa “retraimento diante de uma provocação”. Assim como Paulo provocava o Senhor antes da sua conversão, Israel ainda hoje procede assim diante de Jesus.

Paulo foi justamente quem, depois da conversão, se tornou a maior testemunha do evangelho – o que também é uma indicação profética para a futura atuação dos judeus durante o reino milenar de paz. Paulo testifica: “Então o Senhor me disse: ‘Vá, eu o enviarei para longe, aos gentios’” (At 22.21). “Embora eu seja o menor dos menores de todos os santos, foi-me concedida esta graça de anunciar aos gentios as insondáveis riquezas de Cristo” (Ef 3.8). E, em 1Timóteo 1.12-14, Paulo dá testemunho da graça de Deus sobre ele, dizendo: “Dou graças a Cristo Jesus, nosso Senhor, que me deu forças e me considerou fiel, designando-me para o ministério, a mim que anteriormente fui blasfemo, perseguidor e insolente; mas alcancei misericórdia, porque o fiz por ignorância e na minha incredulidade; contudo, a graça de nosso Senhor transbordou sobre mim, com a fé e o amor que estão em Cristo Jesus”.

O povo de Israel também aplica hoje zelo sem conhecimento e sem fé, como está escrito: “Posso testemunhar que eles têm zelo por Deus, mas o seu zelo não se baseia no conhecimento” (Rm 10.2). A única coisa que pode ajudá-los é a misericórdia de Deus – e essa eles receberão.

Os judeus piedosos oram diariamente (frequentemente antes das refeições): “Compadece-te, ó Eterno, nosso Deus, do teu povo de Israel e de Sião, tua cidade, o lugar da tua glória, sobre o reino do teu Ungido. Estabelece o teu reino. Promove a tua redenção. Que o teu Ungido venha e redima o teu povo!”.

A esperança de Israel consiste na grande misericórdia de Deus e no retorno do Messias Jesus para o seu povo.

Norbert Lieth

Notas

  1. A palavra grega utilizada é prōtos, que literalmente significa “primeiro”, mas também tem a conotação de “principal”. (N. T.)
  2. Bíblia de Estudo Scofield (São Paulo: Holy Bible, 2009), p. 1067.

Norbert Lieth é autor e conferencista internacional. Faz parte da liderança da Chamada na Suíça.

sumário Revista Chamada Novembro 2020

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