Lembre-se do Seu Primeiro Amor

Sete Cartas para Sete Igrejas | Parte 1

Apocalipse 2–3 são as cartas que encorajam os crentes no Senhor a reacender o seu “primeiro amor” por ele.

A cidade de Moynaq já foi um próspero porto no mar de Aral, no oeste do Uzbequistão. Este era famoso por seus enlatados e sua pesca, mas hoje possui apenas alguns milhares de habitantes. Hoje em dia, Moynaq está situada na fronteira de um deserto salgado. As dunas de areia estão repletas de cascos enferrujados, vazios e abandonados de uma frota pesqueira que um dia navegou pelas águas de Aral. Há trinta anos, o mar de Aral era do tamanho do Sri Lanka, e dele eram retiradas 160 toneladas de peixe por dia.

A destruição do mar de Aral começou com uma visão stalinista do paraíso. Em uma das grandes devastações da humanidade, o cenário mudou para Moynaq nos anos 1960, quando a União Soviética começou a desviar suas águas para irrigar o que teria sido a maior zona algodoeira do mundo. Ninguém teve a capacidade de perceber que o clima extremo poderia ocasionar um apocalipse ambiental, resultando em 80% das terras agrícolas da região sendo arruinadas por tempestades de sal que varreram o solo oceânico e as áreas em volta.

O que aconteceu em Moynaq carrega consigo uma aplicação espiritual. Se uma comunidade espiritualmente próspera afasta sua atenção do Senhor Jesus Cristo para apenas realizar obras em seu nome, ela perderá o foco no que é mais importante no relacionamento com Deus: amá-lo completamente (Mt 22.36-38; Ap 2.2-4). Quando minha esposa e eu estávamos namorando, nós escrevemos muitos recadinhos de amor um para o outro. Meu pedido de casamento foi, na verdade, um poema de uma página inteira, que terminava assim: “Contigo somente, uma nova vida começar; por isso, pergunto, Kristin, queres comigo casar?”. Ler esses recados novamente, seja de forma individual ou como casal, é uma maneira maravilhosa de reacender nosso amor inicial. Apocalipse 2–3 são as cartas de instrução de Jesus, as quais encorajam os crentes no Senhor a reacender o seu “primeiro amor” por ele.

Carta à Éfeso (2.1-7)

Uma prática comum do Novo Testamento é apresentar primeiro o ensinamento doutrinário, e então concluir com instruções a respeito de padrões de comportamento consistentes com essas doutrinas. Por exemplo, a aplicação prática dos capítulos 12–16 de Romanos pressupõem a verdade doutrinária dos primeiros onze capítulos. O livro de Apocalipse modifica essa sequência, pois os capítulos 2–3 revelam padrões práticos de comportamento para aqueles que constituem a igreja local, e os capítulos 4–22 providenciam o ensinamento substancial com respeito a eventos futuros, os quais são entendidos como motivação para se adequar aos padrões demonstrados nos capítulos 2–3.

Apocalipse 2–3 são as cartas de instrução de Jesus, as quais encorajam os crentes no Senhor a reacender o seu “primeiro amor” por ele.

A organização das cartas para as sete igrejas simplesmente segue a ordem na qual elas estão dispostas em uma rota no formato de uma ferradura ao longo da costa, a qual uma pessoa que estivesse viajando de Patmos até a Ásia Menor faria. Éfeso era um pouco mais ao sul ao longo da costa; logo, a igreja ali foi mencionada primeiro. As igrejas foram selecionadas porque representam o bom e o mau entre os crentes de todos os lugares e todas as eras. O julgamento começa “pela casa de Deus” (1Pe 4.17); portanto, é apropriado que Jesus fale à igreja primeiro, antes de responder a um mundo perdido. Há insights maravilhosos sobre o comportamento humano nessas sete cartas que demonstram a avaliação do Senhor.

O apóstolo Paulo fundou a igreja em Éfeso em sua primeira viagem missionária (At 19.1-10). Naquele tempo, a cidade abrigava uma das sete maravilhas do mundo antigo, o templo de Diana. O relacionamento do Senhor com cada igreja é expresso através de pelo menos um aspecto do simbolismo de Jesus usado na visão do capítulo 1. Jesus é representado como aquele “que tem as sete estrelas em sua mão direita” (Ap 2.1), as quais são representantes dos mensageiros daquelas igrejas, sejam anjos ou humanos. A ilustração indica que Jesus sabe o que está acontecendo no meio deles.

O Senhor tinha uma palavra de elogio (v. 2-3; cf. 1Jo 4.1-3). A igreja não tolerava falsa doutrina (v. 6); consequentemente, sua condenação não era porque suas mentes tinham falhado. Em vez disso, havia um problema com suas afeições (v. 4-5). Embora não houvesse problemas com a ortodoxia da igreja, sua vitalidade espiritual estava diminuída. A igreja precisava se arrepender e, assim, retornar à comunhão com o Senhor. A palavra de promessa (v. 7) é que o vencedor (todos os que têm fé no Senhor Jesus Cristo; cf. 1Jo 5.4-5) participará daquela vida eterna inicialmente perdida quando Adão pecou no jardim do Éden.

Carta à Esmirna (2.8-11)

Aproximadamente 56 quilômetros ao norte de Éfeso estava a cidade portuária de Esmirna, a qual era muito rica. No entanto, os crentes passavam por grande tribulação e pobreza (v. 9). Não obstante, eles foram lembrados de sua riqueza espiritual, que nunca poderia ser tirada deles. Esmirna não recebeu nenhuma palavra de condenação, pois era uma igreja que sofria muita perseguição. A experiência dessa igreja é reminiscente de 2Timóteo 3.12 (“De fato, todos os que desejam viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos”). Mesmo quando um cristão é caluniado por outras pessoas, esse sofrimento pode ser enriquecedor, desde que o crente tenha a aprovação do Senhor.

Jesus descreveu a si mesmo como o eterno, “que morreu e tornou a viver” (v. 8). Os cristãos em Esmirna poderiam potencialmente experimentar o martírio, e por isso precisavam de encorajamento e garantia de ressurreição e vida eterna com Cristo. O Senhor não repreendeu a igreja em Esmirna, pois a tribulação e pobreza que experimentavam não diminuiu a pureza de seu comportamento e fé. A igreja iria viver para sempre com Jesus Cristo, então não havia necessidade de temer adversários ou a morte.

A palavra de promessa é que o vencedor participará daquela vida eterna inicialmente perdida quando Adão pecou no jardim do Éden.

O lembrete do Senhor é de que eles também iriam viver eternamente com Deus por causa de sua fé nele. A despeito de perseguição e possível martírio, aos crentes fiéis é prometida a “coroa da vida”, para o vencedor que “de modo algum sofrerá a segunda morte” (v. 10-11). A maravilhosa promessa é que os cristãos que morrem irão participar da futura ressurreição, resultando em vida. Eles não experimentarão a “segunda morte” que torna a primeira morte permanente, separando a alma eternamente do Senhor, no lago de fogo (Ap 20.14-15).

Carta à Pérgamo (2.12-17)

Localizada a aproximadamente 64 quilômetros ao norte de Esmirna, Pérgamo era uma das cidades mais proeminentes da Ásia. O Senhor ressuscitado aparece aos cristãos como aquele “que tem a espada afiada de dois gumes” (v. 12). A base do julgamento do Senhor será sempre a verdade absoluta, pois somente ele a possui (Jo 8.31-32; 14.6; 16.13; 17.17; cf. Sl 40.11; 119.45; Rm 1.18; Ef 6.14). Ele julga com a sua Palavra (cf. Ap 1.16; 19.15,21), e com ela santifica os crentes (Jo 17.17). Isso os separa do mundo, mas também bane os descrentes da presença do Senhor (cf. Jo 12.47-48; 2Ts 1.8-9). A natureza de dois gumes da espada afiada pode ser no sentido de que a mesma Palavra resulta em vida eterna para aquele que crê, mas condenação para o incrédulo (Jo 5.24).

A maravilhosa promessa é que os cristãos que morrem irão participar da futura ressurreição, resultando em vida.

Embora alguns cristãos estivessem se apegando com firmeza ao nome do Senhor e não negando a fé cristã, eles estavam sendo muito tolerantes com falsas doutrinas. Por isso, a mensagem para eles é condenatória (v. 13-15). A promessa do Senhor é de que ele está voltando, e nada impedirá o seu retorno (v. 16). Há uma promessa de recompensa para aqueles que são fiéis (v. 17). O cuidado, a provisão e o sustento (“maná escondido”) de Deus vêm diretamente dele para aqueles que necessitam. O vencedor também é aceito pelo Deus vivo (“uma pedra branca”).

Aquele que vence persevera através de uma vida dedicada a Deus em todas as circunstâncias. Quando falha, o pecado é reconhecido imediatamente e confessado ao Senhor (1Jo 1.9). O “novo nome nela [na pedra] inscrito, conhecido apenas por aquele que o recebe”, é exclusivo do crente, e desconhecido no sentido de que aqueles que não são vencedores não o possuirão. O “novo nome” também poderia significar o relacionamento distinto que cada pessoa tem com Deus. O Bom Pastor “chama as suas ovelhas pelo nome... e estas o seguem, porque conhecem a sua voz” (Jo 10.3-4; cf. Is 62.2).

Carta à Tiatira (2.18-29)

Tiatira era uma cidade pequena e em crescimento a aproximadamente 64 quilômetros a sudeste de Pérgamo. O Senhor vivo apareceu à igreja de lá como o “Filho de Deus, cujos olhos são como chama de fogo e os pés como bronze reluzente” (v. 18), significando que ele tem a capacidade de julgar e conhece os feitos do seu povo. A igreja demonstrava amor, fé, serviço e perseverança (v. 19); no entanto, também tolerava falsa doutrina (v. 20). Embora um remanescente piedoso pudesse ser identificado, muitos toleravam o pecado (v. 20-24). Aqueles que não eram culpados de práticas pecaminosas foram encorajados a afirmar a verdade e serem fiéis (v. 25-29).

A promessa da “estrela da manhã” é uma referência ao Senhor Jesus (Ap 22.16), a qual é uma lembrança de que a esperança de todos os cristãos é o próprio Cristo. No dia em que ele retornar, seu povo herdará tudo o que ele tem para eles. Aos vencedores é prometido a ressurreição e o privilégio de reinar com Cristo (v. 26; cf. 1Co 6.2-3). O Senhor conhece as forças e as fraquezas de sua igreja, e quer que seu povo esteja atento a falsas práticas e ensinamentos, além de serem fiéis a ele e dependentes de sua graça para todos os aspectos da vida. O povo de Deus é exortado a fazer uma autoavaliação contínua, a fim de determinar quais ações, crenças e motivos são consistentes com as expectativas do Senhor.

Ron J. Bigalke é o diretor e fundador da missão Eternal Ministries. Foi professor de teologia durante duas décadas e contribui frequentemente para diversas publicações cristãs.

sumário Revista Chamada Setembro 2020

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