Oração por Perdão: Um Salmo Penitencial

Uma reflexão do Salmo 51

O Salmo 51 é um de sete salmos penitenciais (o 6º, 32º, 38º, 102º, 130º e 143º) que expressam sentimentos de contrição. Eles são nomeados “penitenciais” (ou salmos de confissão) baseado em referências a eles como um grupo na exposição dos salmos por Cassiodoro (485-585 d.C.).

A mensagem messiânica geral do salmista é o motivo pelo qual os salmos penitenciais podem ser lidos à luz dos cânticos do servo sofredor (Is 40–55). Nesse contexto, eles têm sido usados tradicionalmente para meditação e oração. O Salmo 51 é um lamento do pecador, mas também é uma canção que descreve angústia; dessa forma há uma relação com os cânticos do servo sofredor. A universalidade de Deus é um tema proeminente nesses salmos que celebram a realeza de Javé (Sl 47; 93; 95–99). É possível entender a ênfase teológica geral dos Salmos como sendo similar a Isaías 40–55, pois eles desenvolvem a teologia do Antigo Testamento para expressar a universalidade de Deus, especialmente sob o prisma da intervenção divina. Como as circunstâncias atuais lembram a libertação e o poder de Deus no passado, há um lembrete constante de que o Senhor está presentemente ativo por seu povo.

O Salmo 51 é o primeiro de uma série de salmos com subtítulos atribuídos a Davi (os Salmos 66, 67 e 71 são exceções), os quais concluem o Livro 2 (Sl 42–72). Muitos dos subtítulos têm notas biográficas esclarecedoras. Davi compôs esse salmo quando o profeta Natã o confrontou após seu pecado com Bate-Seba. Os pensamentos mais profundos do salmista são descritos enquanto ele expressa sua tristeza pelo pecado.

Oração por graciosa purificação

Davi apelou a Deus (Elohim) para que o purificasse, por causa do “amor” e da “compaixão” de Deus (Sl 51.1). O fato de que Davi referiu-se a Deus como Elohim, ao invés de Javé, possivelmente indica que ele sabia que o perdão de Deus não era algo que é devido ou merecido. O Senhor, graciosamente, fez uma aliança com Davi, e essa promessa forma a base do primeiro salmo messiânico (Sl 2). A aliança davídica prescrevia punição para o pecado, mas não a remoção do amor de Deus (2Sm 7.14-16). No Salmo 51, a graça de Deus, que é a base para a aliança davídica, é estendida ao próprio Davi.

Davi sempre teve consciência de suas “transgressões” (Sl 51.1). Seus sentimentos de culpa estavam intensificados porque ele tinha tentado esconder seu pecado (v. 3-4). O Salmo 32 descreve a profunda inquietude de Davi no mais íntimo do seu ser. Ele propôs a necessidade de confessar seu pecado, e o versículo 5 é uma breve declaração dessa confissão. O Salmo 51, no entanto, é uma das representações de confissão mais gráficas, enfatizando a importância do verdadeiro arrependimento. Davi não pronunciou nenhuma palavra tentando se desculpar, mas reconheceu a natureza do seu pecado. Os capítulos 11–12 de 2Samuel revelam como o pecado de Davi prejudicou outros; todavia, ele reconheceu que sua transgressão não fora somente contra Bate-Seba ou Urias – a ofensa primária tinha sido, fundamentalmente, contra Deus.

Tendo confessado seu pecado, Davi pede a Deus que o purifique em seu interior. Ser purificado com hissopo é uma alusão à purificação de um leproso.

Ele reconheceu que a razão suprema para o seu pecado era um coração corrupto, dizendo: “Sei que sou pecador desde que nasci; sim, desde que me concebeu minha mãe” (v. 5). Davi entrou no mundo como um pecador por natureza muito antes de ser um transgressor em ação. Sua corrupção interna antecedeu o seu nascimento, quando ele foi concebido no ventre de sua mãe. A transferência da culpa e do pecado de Adão foi imputada a ele no momento da concepção. O motivo para o pecado de Davi era a consequência de ser um pecador por natureza. Atos pecaminosos ocorrem porque todo ser humano nasce com uma natureza totalmente depravada.

Tendo confessado seu pecado, Davi pede a Deus que o purifique em seu interior (v. 6-9). Ser purificado com hissopo (v. 7) é uma alusão à purificação de um leproso. No caso da lepra, o hissopo era mergulhado em sangue e aspergido sete vezes no indivíduo leproso (Lv 14.6-7), o que simbolizava a limpeza por meio de morte sacrificial (cf. Hb 9.22). Davi se considerava um leproso espiritual que precisava desesperadamente da limpeza divina, pois somente assim ele poderia ser “mais branco do que a neve” (Sl 51.7).

Tendo sido limpo de seu pecado, Davi poderia ter de novo o “júbilo e alegria” da salvação, e o Espírito Santo não seria tirado dele (v. 8-11). O pedido de Davi a respeito do Espírito Santo é desnecessário hoje em dia (embora a pessoa possa estar angustiada e sentir-se assim) porque o Espírito Santo habita permanentemente em cada crente (Jo 14.17; Rm 8.9; 1Co 6.19-20). Embora o Espírito Santo nunca se retire de um crente do Novo Testamento, o cristão pode perder a oportunidade de servir ao Senhor, resultando em perda (cf. 1Co 3.10-15; 9.27; 2Jo 8; Ap 2.5).

A evidência mais fundamental de arrependimento genuíno é a transformação pela renovação da mente.

O pecado na vida de um cristão não é inconsequente. Pecados não confessados resultarão na perda de comunhão íntima com o Senhor, e, assim, privarão a pessoa da alegria da salvação (Sl 32.3-4). Deus é gracioso em sua disciplina para com aquele que ele ama (Pv 3.12; Hb 12.6; Ap 3.19). Se um crente não se arrepende, esse pecado pode levar à perda da saúde física e até mesmo à morte (At 5; 1Co 11.28-30; 1Jo 5.16-17). O Espírito Santo se entristece, e seu poder é extinto quando um crente não confessa seu pecado. Nada pode ser realizado sem a vida de permanência no Senhor (Jo 15.1-7).

Os crentes do Antigo Testamento estavam espiritualmente vivos (regenerados), embora nenhum fosse batizado no Espírito. Além disso, o Espírito Santo apenas habitava em algumas pessoas, e essa habitação não era permanente. Antes do Pentecoste (At 2), o Espírito Santo capacitava alguns crentes e poderia até mesmo se retirar de crentes do Antigo Testamento (cf. 1Sm 16.13-14). Davi orou para não experimentar a rejeição de Deus (Sl 51.11), talvez pensando em Saul ao pedir isso.

Oração pela restauração da comunhão

Davi nunca perdeu sua salvação, mas ele perdeu a sua alegria. Deus não o estava libertando de suas angústias atuais como tinha feito anteriormente, por isso Davi implorou a Deus pela restauração do poder divino para si. Davi sabia que ele merecia a disciplina de Deus, e reconheceu que sofreria se o Senhor não aceitasse sua confissão. Ele temia ser rejeitado do serviço do Senhor, então implorou para que o Senhor devolvesse a alegria de sua salvação (Sl 51.12a).

Pecado e alegria são mutuamente exclusivos; sendo assim, num espírito de quebrantamento verdadeiro, Davi orou por um “coração puro”, “espírito estável” (v. 10), pelo “Santo Espírito” (v. 11) e por um “espírito pronto a obedecer” (v. 12b). Davi precisava ser renovado internamente para que pudesse obedecer à Palavra de Deus e perseverar em santidade. Ele queria ser uma pessoa completamente diferente de quem era no passado. Em oposição a persistir no pecado, Davi queria servir a Deus alegremente e com disposição. A evidência mais fundamental de arrependimento genuíno é a transformação pela renovação da mente (Rm 12.1-2).

A evidência da restauração de Davi na comunhão seria o interesse revitalizado por Deus (isto é, sua vontade e serviço). Davi sabia que Deus está supremamente interessado na pureza interior de seu povo (Sl 51.16-17). Ele foi restaurado a um estado de pureza diante de Deus, e apenas então Davi pôde admoestar pecadores e ser usado pelo Senhor para a conversão deles. Uma vez perdoado, Davi disse: “Então ensinarei os teus caminhos aos transgressores, para que os pecadores se voltem para ti” (v. 13).

Restauração não era o objetivo final, pois Davi ajudaria outros para que recebessem o perdão de Deus como ele tinha recebido. Ele então cantaria em alta voz os louvores ao Senhor Deus (v. 14-15). Alguns concluem erroneamente que a expiação de Cristo por seus pecados significa que, por estarem perdoados, a sua purificação divina não possui relação com o fato de eles estarem pecando ou não. Certamente é verdade que os pecados dos crentes estão perdoados e a graça de Deus os limpa sem cessar (cf. 1Jo 1.7,9); porém, é impossível continuar no pecado para que a graça aumente (cf. Rm 6.1-4). Quebrantamento quanto ao pecado e humildade diante de Deus são expressões de uma confissão genuína. A passagem do Salmo 51.16-17 declara que Deus não se “deleita em sacrifícios” de uma pessoa que não esteja “quebrantad[a]” e “contrit[a]”.

Uma oração pessoal culminou num apelo pela nação. O salmista sabia que existe uma relação entre sua santidade pessoal como rei de Israel e as bênçãos que Deus derramaria sobre a nação. Os pecados dos líderes afetam a eles mesmos e aos outros. A importância dos versículos 18-19 é a identificação da nação com sua própria pecaminosidade, e a necessidade de graça divina resultando em Deus concedendo alegria.

Os dois últimos versículos do Salmo 51 foram provavelmente acrescentados durante o exílio, talvez quando todos os salmos estavam sendo combinados num livro. Quando a nação sofreu derrota e exílio por causa do seu pecado, os muros de Jerusalém foram rompidos e os sacrifícios, cessados. O salmista orou: “Por tua boa vontade faze Sião prosperar; ergue os muros de Jerusalém” (v. 18), pois então os “sacrifícios de justiça” voltariam a ser oferecidos (v. 19, NAA; cf. Dt 33.19). O coração precisa ser consagrado antes do sacrifício ser justo. O “favor” de Deus resultou na prosperidade de Jerusalém na liderança pós-exílio de Zorobabel e Neemias (cf. Ne 12.43).

O Salmo 51 revela a necessidade de fé, humildade e arrependimento na vida do crente, e como a vida dos outros são afetadas nesse processo. Que todo o povo de Deus possa experimentar a alegria contínua da salvação e orar por um espírito pronto a obedecer que seja sustentado no propósito e na vontade de Deus.

Ron J. Bigalke é o diretor e fundador da missão Eternal Ministries. Foi professor de teologia durante duas décadas e contribui frequentemente para diversas publicações cristãs.

sumário Revista Chamada Julho 2020

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