O Que a Bíblia Diz Sobre Doenças?

O que a Bíblia tem a dizer sobre doenças como a lepra, a Peste Negra e o COVID-19? Podemos retirar lições da Palavra de Deus sobre a saúde?

A Peste Negra chegou na Europa em outubro de 1347 e aterrorizou a sociedade ocidental de uma maneira sem precedentes. Durante a Idade Média, a Peste Negra resultou na morte de aproximadamente 20 milhões de pessoas em um período de cinco anos (mais ou menos metade da população europeia). O estudo literário mais famoso da peste é a introdução do Decamerão. Giovanni Boccaccio (1313-1375) diz que a “pestilência mortal” começou “ou por causa da influência dos corpos celestes ou por causa da justa ira de Deus como um castigo aos mortais por nossos atos perversos”.1

A praga atingiu a Europa quando doze mercadores genoveses atracaram seus navios mercantes no porto siciliano de Messina, após uma longa jornada pelo mar Negro. Quando as pessoas se ajuntaram nas docas, elas ficaram chocadas ao descobrir que a maioria dos marinheiros a bordo dos navios estava morta, e aqueles que ainda viviam estavam gravemente doentes e cobertos de furúnculos pretos dos quais escorriam sangue e pus. As autoridades sicilianas rapidamente ordenaram que os “navios da morte” saíssem do porto, mas era tarde demais.

Antes mesmo da chegada dos “navios da morte” em Messina, muitos europeus já tinham ouvido rumores de que uma “peste mortal” estava se espalhando pelas rotas comerciais do Oriente Próximo e do Extremo Oriente. Ainda assim, os europeus não estavam preparados para a pandemia mortal. Boccaccio escreveu como “começou tanto em homens quanto mulheres com certos inchaços na virilha ou nas axilas, alguns crescendo até o tamanho de uma maçã e outros até o tamanho de um ovo (mais ou menos)”. As pessoas se referiam aos furúnculos como gavoccioli (bubboni em italiano moderno, daí a fonte do termo “peste bubônica”).2

Para proteger o seu povo de doenças, Deus revelou medidas preventivas contra o contágio.

Muitos acreditavam que a Peste Negra era um sinal escatológico que anunciava a segunda vinda de Cristo e o fim do mundo. Alguns acreditavam que a Peste Negra indicava o desprazer de Deus com a humanidade e era uma retribuição divina pelos seus pecados. Consequentemente, alguns recorriam ao ascetismo extremo a fim de purificarem a si mesmos do pecado e merecerem o perdão de Deus. Os flagelantes, por exemplo, procuravam evitar o castigo de Deus despindo-se até a cintura e açoitando-se com chicotes enquanto vagavam de cidade em cidade. Dizia-se que os judeus tinham poços envenenados, e assim foram falsamente acusados de causar a praga. Eles foram, por isso, fortemente perseguidos. Muitas comunidades judaicas na Europa foram dizimadas na esperança de acabar com a peste.

Ratos pretos infestados de pulgas espalhavam a doença, pois eram os hospedeiros da bactéria mortal Yersinia pestis. Como os roedores eram passageiros regulares dos navios (e muito comuns em cidades e vilas), a doença se espalhou pelo Mediterrâneo e pela Europa. Gatos pretos foram caçados, já que se pensava serem bruxas em forma de animais, que estavam lançando seus feitiços sobre o povo. Ironicamente, os gatos teriam diminuído a propagação da praga, uma vez que eram os inimigos naturais dos ratos infestados. Naquele tempo, ninguém sabia exatamente como a Peste Negra era transmitida de uma pessoa para outra, e ninguém sabia como preveni-la ou curá-la.

Como a praga terminou? Acredita-se que vários fatores determinaram o fim da Peste Negra, como melhor higiene, mas o mais importante foi as pessoas terem ficado em quarentena. O novo coronavírus (COVID-19) tem feito a palavra “quarentena” parte do jargão comum. O objetivo da quarentena é o de restringir o movimento das pessoas a fim de prevenir a propagação da doença. O termo é derivado do italiano quaranta giorni, que significa “quarenta dias”, e remonta ao século 14 quando a cidade de Dubrovnik (agora parte da Croácia) estava sob o controle de Veneza. Enquanto a Peste Negra devastava a Europa, os venezianos reconheceram a necessidade de determinar alguma forma de proteção, por isso declararam que todas as pessoas e navios deveriam ficar isolados por quarenta dias antes de entrar em Dubrovnik.3

A Escritura revelou leis de pureza não somente em resposta à condição humana, mas também para enfatizar a necessidade de limpeza do ambiente.

O novo coronavírus começou na China, e não se sabe se o vírus escapou de um laboratório de pesquisa biológica ou de um mercado de rua sujo que vendia animais silvestres para fins culinários. O que é importante saber é o que a Bíblia revela sobre doenças. Desde os tempos antigos, as sociedades têm usado estratégias para isolar pessoas com doenças daquelas não afetadas. Algumas das primeiras referências a essas estratégias são encontradas nos livros do Antigo Testamento. Com respeito a qualquer pessoa que tenha contraído uma doença de pele, Levítico 13.46 ordena: “Enquanto tiver a doença, estará impuro. Viverá separado, fora do acampamento”. Acerca da contaminação, Números 5.2 prescreve o seguinte: “Ordene aos israelitas que mandem para fora do acampamento todo aquele que tiver lepra, ou que tiver um fluxo, ou que se tornar impuro por tocar um cadáver”.

O remédio de Deus para a enfermidade

A lepra era a doença mais terrível na Bíblia. Além da desfiguração e dor, aqueles que a contraíam eram excluídos e proibidos de viver em comunidade com seu próprio povo. Era uma das doenças mais contagiosas e debilitantes. Entre as várias contaminações da lei mosaica, apenas um cadáver era considerado mais perigoso.

Todas as doenças são um lembrete contínuo de como o mundo mudou desde que Deus amaldiçoou a terra. Inicialmente, o Senhor criou tudo “muito bom”, mas o pecado de Adão resultou em morte e decomposição. Para proteger o seu povo de doenças, Deus revelou medidas preventivas contra o contágio. Os sacerdotes judeus não eram médicos, mas em muitos aspectos eram como funcionários da saúde pública. O sistema sacrificial levítico prescrevia leis e mandamentos que os sacerdotes instituiriam com discrição, incluindo testes para lepra e quarentena para os que contraíam a doença intensamente contagiosa.

A lei mosaica revelava como identificar e tratar doenças de pele (Lv 13). Quando uma mancha anormalmente perceptível aparecia na pele de uma pessoa, ele ou ela deveria ser “levado ao sacerdote Arão” ou ao sacerdote que estivesse oficiando para ser examinado (v. 2). O sacerdote então examinaria a pessoa para determinar se ele ou ela estava cerimonialmente impuro(a). Uma doença infecciosa era caracterizada com o pelo na infecção ficando branco, e o lugar sendo “mais profundo do que a pele” do corpo (v. 3). Se o sacerdote não conseguisse determinar se a infecção precisava ser purificada, a pessoa ficava em quarentena por um período de tempo até que pudesse ser feito o devido diagnóstico. Se a parte afetada se espalhasse sobre a pele, era considerada uma doença e a pessoa era declarada “impuro” (v. 4-8). Uma pessoa infectada usava roupas rasgadas, andava descabelada, cobria a parte inferior do rosto, e gritava “Impuro! Impuro!” para que outras pessoas evitassem o indivíduo contagioso (v. 45).

A quarentena era a primeira resposta a uma pessoa infectada (v. 4). Nenhuma doença de pele podia ser identificada à primeira vista, então os períodos adicionais de sete dias eram necessários para se chegar a uma decisão final (v. 5). Indivíduos que tinham definitivamente contraído uma doença de pele eram separados da comunidade; ele ou ela estava “impuro”, e devia permanecer nessa condição enquanto durasse a infecção. “Viverá separado, fora do acampamento” (v. 46b). Similar à narrativa de Gênesis, onde Adão e Eva foram banidos do jardim do Éden (Gn 3.23) e Deus expulsou o homem (v. 24), da mesma forma a pessoa impura tinha de viver “fora do acampamento” (Lv 13.46). A natureza horrenda das doenças de pele é um retrato da impureza humana diante de um Deus santo.

A contaminação da era presente é um lembrete perpétuo dos efeitos do pecado no mundo, e o encorajamento de que o mundo que virá não será como o atual.

Itens materiais, como peças do vestuário feitas de tecido ou couro, eram tratados da mesma maneira que as pessoas (v. 47-59). O sacerdote mantinha em quarentena roupas com uma mancha esverdeada ou avermelhada por sete dias (v. 47-50), e deveria queimá-las se a mancha tivesse “se espalhado pela roupa” (v. 51-52). Se a marca não se espalhasse, o sacerdote ordenaria que o objeto afetado fosse lavado, e “então ele o isolará por mais sete dias” (v. 53-54). Se a cor da mancha não se alterasse, mesmo que não tivesse se espalhado, a roupa seria declarada impura e queimada (v. 55).

Respondendo ao COVID-19

Todas as pessoas são instadas a lavar as mãos frequentemente com sabão e água como uma das medidas efetivas para evitar a disseminação do COVID-19. Além disso, é solicitado que as pessoas fiquem em quarentena. O distanciamento social também é uma resposta sábia, já que ninguém sabe quem já contraiu o vírus, e mesmo indivíduos assintomáticos podem contaminar outros com o COVID-19. A Bíblia revela a natureza sensível da higiene corporal e da quarentena em Levítico 11–15. A necessidade de se lavar e ficar em isolamento é enfatizada em diversos contextos (11.32-40; 13.29-59; 15.1-15). Manter-se limpo e não entrar em contato com uma pessoa infectada é precisamente o que a Bíblia ordena.

Romanos 5.12 revela que o pecado entrou no mundo pela desobediência de uma pessoa, “e pelo pecado a morte, assim também a morte veio a todos os homens, porque todos pecaram”. A Escritura revelou leis de pureza não somente em resposta à condição humana (e a um mundo controlado pela morte, com todas as suas contaminações e doenças), mas também para enfatizar a necessidade de limpeza do ambiente. A resposta adequada ao COVID-19 através da limpeza e quarentena é bíblica e sábia. No entanto, embora quase todas as pessoas estejam preocupadas com o novo coronavírus, há uma doença ainda mais letal chamada pecado, que se inicia na concepção e dessa forma afeta toda a humanidade. Jesus criticou os escribas e os fariseus por serem apenas limpos por fora, mas corruptos por dentro (Mt 23.25-28). Em última análise, todos os rituais de sacrifício antecipavam a morte de Jesus Cristo, o qual cumpriu Isaías 53 quando padeceu sofrimentos, tristezas e inquietudes humanas “em seu corpo... sobre o madeiro” a fim de que todos os que creem nele – pela graça através da fé – morram para os pecados e vivam para a justiça, pois pelas suas feridas o crente é curado da doença do pecado (1Pe 2.24).

Jesus retornará um dia e transformará a criação, libertando-a de todos os efeitos e misérias do pecado para fazê-la mais gloriosa do que nunca (Rm 8.18-25). A promessa é de uma nova criação onde não há morte ou decomposição, e certamente nenhuma doença como o COVID-19. A contaminação da era presente é um lembrete perpétuo dos efeitos do pecado no mundo, e o encorajamento de que o mundo que virá não será como o atual. Até aquele tempo de restauração, o povo de Deus deveria antecipar a “esperança” da promessa do Senhor e suportar pacientemente os sofrimentos do presente com perseverança.

Notas

  1. Giovanni Boccaccio, The Decameron, trads. Mark Musa e Peter Bondanella (Nova York: Norton, 1977), p. 3.
  2. Ibid., p. 4. Ver também James Cornell, The Great International Disaster Book (Nova York: Pocket Books, 1976, 1979), p. 184.
  3. Susan Mosher Stuard, A State of Deference: Ragusa/Dubrovnik in the Medieval Centuries (Filadélfia: University of Pennsylvania Press, 1992)

Ron J. Bigalke é o diretor e fundador da missão Eternal Ministries. Foi professor de teologia durante duas décadas e contribui frequentemente para diversas publicações cristãs.

sumário Revista Chamada Junho 2020

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