A essência da igreja

1ª Carta a Timóteo | Parte 10 | 1Timóteo 3.14-16

Uma interpretação da primeira carta de Paulo a Timóteo, por Norbert Lieth.

14Escrevo estas coisas, embora espere ir vê-lo em breve; 15mas, se eu demorar, saiba como as pessoas devem comportar-se na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e fundamento da verdade. 16Não há dúvida de que é grande o mistério da piedade: Deus foi manifestado em corpo, justificado no Espírito, visto pelos anjos, pregado entre as nações, crido no mundo, recebido na glória.

Na passagem de 1Timóteo 3.14-16 encontramos três destaques a respeito da igreja:

– Ela é a “casa de Deus”. Deus ocupou morada no centro da igreja, algo que até então não existia. Através do Espírito Santo, Deus mora em cada crente e, por isso, está presente em todas as reuniões de pessoas convertidas. No Antigo Testamento, Deus morava no Santo dos Santos do tabernáculo e, posteriormente, no templo. Hoje ele vive na sua igreja.

– Ela é a “igreja do Deus vivo”. Antigamente havia incontáveis templos no mundo pagão, repletos de ídolos. O grande diferencial da igreja em relação a esses templos é que o Deus vivo mora e age nela e que a igreja é a propriedade desse Deus vivo.

– Ela é “coluna e fundamento da verdade”. Cada um daqueles templos tinha imensos pilares. Por exemplo, conta-se que o templo de Diana, em Éfeso, tinha 127 colunas de mármore revestidas de ouro. Ao contrário de toda a insegurança, dos enganos e mentiras religiosas, a igreja possui a Verdade e é coluna e fundamento dessa verdade. Ela oferece a revelação de Deus aos homens, ela oferece a segurança que o homem necessita e procura. Através dela é proclamada a Verdade.

Trata-se de uma elevada vocação e traz uma grande responsabilidade em si. Cada pessoa da igreja, individualmente, deve viver de modo condizente. É algo fatal quando, numa igreja, infiltram-se doutrinas falsas e antibíblicas ou quando alguém não vive de acordo com a verdade bíblica.

Cada pessoa que se submete ao temor de Deus através de Jesus Cristo aqui na terra já alcança o alvo espiritual pleno e, na eternidade, não prescindirá de mais nada. “Não há dúvida de que é grande o mistério da piedade” (v. 16). O mistério da piedade consiste na grandiosidade da revelação de Jesus Cristo como a Fonte da plena redenção. Ela se compõe de seis etapas:

1) “Deus foi manifestado em corpo...” Isso aconteceu em Belém (Natal) e descreve a encarnação de Jesus, mas também toda a sua vida imune ao pecado, até sua ascensão ao céu. Deus se tornou Filho de Homem para que pudesse transformar homens em filhos de Deus. O pai da igreja Atanásio, o Grande (c. 298-373) disse: “Ele se tornou o que nós somos para que pudesse nos transformar naquilo que ele é”. Esse mistério da piedade é tão imenso que se torna inescrutável, insondável, podendo ser somente contemplado através da fé.

2) “... justificado no Espírito.” As primeiras duas etapas apontam claramente para a Trindade divina: Deus (Deus Pai), manifestado na carne (Deus Filho, Jesus Cristo), justificado no Espírito (Deus Espírito Santo). Nesse caso não se trata de pessoas, mas de Deus. É uma continuação do primeiro aspecto: o Deus manifestado na carne é justificado no Espírito. O Espírito Santo justificou a vida do Filho de Deus, que se tornou carne, dando-lhe plena confirmação. Existem três aspectos na justificação de Deus:

a) O Deus encarnado Jesus foi justificado através da sua vida sem pecado, por sua morte na cruz e na sua ressurreição, apesar de todas as acusações, censuras, contestações, traições e críticas promovidas pelos homens. Ele manteve a razão em tudo, pois ele é a Verdade.

b) Jesus, o Deus em forma humana, foi declarado plenamente Justo pelo Espírito Santo de forma pública:

– por ocasião do batismo (Mt 3.15-17);

– por ocasião da transfiguração (Mt 17.5);

– por ocasião da ressurreição (Rm 1.3-4);

– por ocasião da sua ascensão (Jo 16.5-16).

Deus é declarado Justo pelo fato de que a vida do Deus que viveu na carne (Jesus) foi plenamente confirmada e, assim, ele foi declarado Justo. Nesse sentido, gostaria de destacar a ressurreição, porque em Romanos 1.3-4 é mencionada a mesma sequência como consta na carta a Timóteo: “Acerca de seu Filho, que, como homem, era descendente de Davi, e que mediante o Espírito de santidade foi declarado Filho de Deus com poder, pela sua ressurreição dentre os mortos: Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 1.3-4). A ressurreição de Jesus é a confirmação para a sua vida justa.

c) A vida do Homem Jesus foi tão perfeitamente justa que através dele são justificados todos os que creem em Jesus. “Em consequência, ‘isso lhe foi creditado como justiça’. As palavras ‘lhe foi creditado’ não foram escritas apenas para ele, mas também para nós, a quem Deus creditará justiça, a nós, que cremos naquele que ressuscitou dos mortos a Jesus, nosso Senhor. Ele foi entregue à morte por nossos pecados e ressuscitado para nossa justificação” (Rm 4.22-25).

Em Romanos 5.18 Paulo esclarece: “Consequentemente, assim como uma só transgressão resultou na condenação de todos os homens, assim também um só ato de justiça resultou na justificação que traz vida a todos os homens”. Do mesmo modo que, através de Adão, todos se tornaram injustos, assim também Deus nos declara justificados através de Jesus Cristo. Essa foi a justificação programada por Deus – e Jesus a recebeu como missão de vida para que pudesse ser realizada.

3) “... visto pelos anjos.” Tanto o nascimento de Jesus (Lc 1.9-14; 2.8-15) como toda a sua vida aqui na terra foram acompanhados por anjos:

– Foram os anjos que o serviram durante os 40 dias no deserto (Mc 1.13).

– Foi um anjo do céu que o fortaleceu no Getsêmani (Lc 22.43).

– Os anjos observavam o martírio de Jesus e legiões deles estavam dispostos a intervir em seu auxílio (Mt 26.53).

– Os anjos estavam presentes por ocasião da sua ressurreição (Lc 24.23).

– A ascensão de Jesus ao céu foi acompanhada por eles (At 1.10).

– Do mesmo modo, também a sua volta será acompanhada de anjos (Mt 16.27).

“A intenção dessa graça era que agora, mediante a igreja, a multiforme sabedoria de Deus se tornasse conhecida dos poderes e autoridades nas regiões celestiais” (Ef 3.10). O teólogo William
MacDonald (1917-2007) dá uma explicação muito boa sobre esse versículo: “Um dos propósitos de Deus [...] é revelar a sua multiforme sabedoria às hostes angelicais nos céus. Mais uma vez Paulo usa a metáfora de uma escola. Deus é o professor, o universo é a sala de aula e os anjos são os estudantes. A lição é a ‘multiforme sabedoria de Deus’. A igreja é o objeto estudado. Observando dos céus, os anjos são impelidos a admirar os insondáveis juízos de Deus e a maravilhar-se com os seus inescrutáveis caminhos. Veem a maneira como Deus triunfou sobre o pecado para a sua glória. Percebem que Deus enviou o melhor dos altos céus para salvar o que havia de pior na terra. Verificam que ele redimiu os seus inimigos com grande custo para si mesmo, conquistou-os pelo amor e os preparou para ser a noiva do seu Filho. Veem como ele os abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais. Aprendem que glória maior é atribuída a Deus através da obra feita pelo Senhor Jesus na cruz e mais bênçãos são derramadas aos crentes, tanto judeus como gentios, do que seria possível caso o pecado não tivesse entrado no mundo. Deus fora satisfeito; Cristo, exaltado; Satanás, derrotado; e a igreja entronizada com Cristo, compartilhando da sua glória”.[1]

4) “... pregado entre as nações.” Imediatamente após a ascensão de Jesus, os discípulos se puseram a caminho e proclamaram o evangelho a todas as nações, exatamente como o Senhor lhes havia ordenado: “... serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, e até os confins da terra” (At 1.8).

5) “... crido no mundo.” Recordamos da primeira igreja, constituída em Jerusalém, do eunuco da Etiópia e de quando os samaritanos passaram a fazer parte; mais tarde, chegou Cornélio, e então a primeira igreja da Antioquia formada por gentios, e depois Chipre, Icônio, Listra, Macedônia, Filipos, Tessalônica, Bereia, Atenas, Corinto, Éfeso, Mileto, Tiro, Malta, Roma... Enquanto isso, dificilmente existe um lugar no mundo em que não haja pessoas que acreditem em Jesus Cristo. Isso continuará dessa maneira até que se complete o número de convertidos vindos das nações (Rm 11.25: “... até que chegue a plenitude dos gentios”). Causa certa tranquilidade saber que sempre haverá pessoas no mundo que creem em Jesus. A jornada vitoriosa do evangelho é incontrolável e abre caminho em todas as nações.

6) “... recebido na glória.” O filósofo britânico Francis Bacon (1561-1626) explica: “A paz foi proclamada quando Jesus veio a este mundo. Quando saiu do mundo, ele deixou a paz conosco”. A obra de Cristo foi confirmada de maneira tão tremenda que ele foi buscado de volta para a sua glória, onde está sentado à direita do Pai. Lá, ele, que foi manifestado na carne, é o Rei sobre todos os reis; é o que busca para sua glória todos os que creem nele e que voltará em glória para a terra! “Quando Cristo, que é a sua vida, for manifestado, então vocês também serão manifestados com ele em glória” (Cl 3.4).


  1. William MacDonald, Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento (São Paulo, Mundo Cristão, 2011), p. 629-630.

Norbert Lieth é autor e conferencista internacional. Faz parte da liderança da Chamada na Suíça.

sumário Revista Chamada Janeiro 2020

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