Minoria muçulmana em Israel insiste que a paz é possível

A comunidade muçulmana da Ahmadia, sediada em Haifa, demonstra que não deveria haver uma “coexistência” lado a lado, mas sim uma “monoexistência” conjunta sem se perder em assimilação.

Esclareça-se de antemão um dos aspectos provavelmente mais importantes: o exemplo de integração dessa comunidade muçulmana sediada em Haifa não se deve exclusivamente à sua cosmovisão, mas que a correspondente reação de Israel a ela também é parte do processo. A comunidade ahmadiana demonstra que Israel – que, tal como outras sociedades, também não está imune a preconceitos e animosidades – não é um Estado com a filosofia do apartheid. Enquanto essa comunidade sofre perseguição em outros países muçulmanos, em Israel ela não goza apenas de uma vida próspera, mas, além disso, tem um proeminente representante no Knesset: Ayman Odeh, desde 2015 representante de um dos partidos árabes. O fato de Odeh ser membro da comunidade ahmadiana, discriminada em países árabes muçulmanos, nem sequer é assunto de comentários entre os árabes israelenses (que não podem ser genericamente considerados como possuindo uma mentalidade aberta), revelando assim de forma enfática uma sociedade israelense tolerante.

Conforme temos relatado repetidamente, a sociedade israelense inclui diferentes minorias étnicas ou religiosas. Tal como os alauítas que vivem nas colinas de Golã, no povoado de Ghajar, e pertencem ao espectro xiita do islã, os ahmadianos estão entre as minorias do país com menos integrantes. Os alauítas, originários do Iraque, perfazem cerca de três mil cidadãos israelenses. Desde a retirada das tropas israelenses do Líbano na primavera de 2000, eles convivem com uma linha divisória da ONU que atravessa seu povoado, porque a metade norte deste se localiza em território libanês. Já em 1994 Israel havia lhes oferecido a cidadania. A comunidade dos ahmadianos perfaz cerca de 2 500 pessoas que vivem na cidade portuária israelense de Haifa, esta que já se caracteriza pela diversidade étnica e religiosa desde muito antes da fundação do Estado. Conforme um dos ahmadianos explicou alguns anos atrás à imprensa israelense, eles consideram sua confissão religiosa um movimento de reforma do islã que lhes determina “abandonar guerras religiosas, condenar o derramamento de sangue e empenhar-se na reinstituição de moralidade, justiça e paz”.

A comunidade ahmadiana engloba mundialmente mais de dez milhões de adeptos, sendo considerada a comunidade religiosa muçulmana de crescimento mais consistente em todo o mundo.

Essa comunidade religiosa foi fundada na década de 1880 na Índia britânica por Mirza Ghulam Ahmad e registrada oficialmente em 1901 pelas autoridades britânicas sob a denominação de Ahmadiyya Musalmans. A comunidade mantém-se fiel ao Alcorão, à suna e à hadite (a tradição oral dos feitos de Maomé) e, além disso, crê nos escritos e nas revelações do fundador de sua religião. Eles mesmos se consideram muçulmanos, mas são rejeitados no mundo muçulmano como hereges, razão pela qual seus adeptos enfrentam não só discriminação, mas também perseguições. Ainda assim, a comunidade se disseminou ao longo das décadas, antes de tudo na Ásia. Hoje os ahmadianos podem ser encontrados em muitos países europeus, nos EUA e no Canadá, bem como no Oriente Médio. Sua comunidade engloba mundialmente mais de dez milhões de adeptos, sendo considerada a comunidade religiosa muçulmana de crescimento mais consistente em todo o mundo (o que, porém, não se aplica ao Paquistão nem ao Oriente Médio).

Novamente, o Estado de Israel representa uma exceção no Oriente Médio por ser o único país da região em que os ahmadianos podem praticar sua religião livre e abertamente. Os primeiros ahmadianos estabeleceram-se na década de 1920 no território do Mandato Britânico. Ainda hoje eles mantêm o seu centro no bairro de Kababir, em Haifa, que funciona como sede da comunidade não só em Israel, mas também de todo o Oriente Médio. A primeira mesquita daquele bairro, fundado no século 19 e que desde então se tornou lar de judeus e árabes, foi construída em 1931. Os minaretes de 35 metros de altura da Mesquita Mahmood, construída entre as décadas de 1970 e 1980 e assim denominada em homenagem ao segundo califa do movimento ahmadiano, marcam para bem além dos seus limites a silhueta do bairro, há muito integrado na cidade de Haifa. A maioria dos ahahmadianos madiyyas israelenses, cerca de
2 200 pessoas, vive ali.

Eles participam ativamente da vida comunitária da cidade, tomando parte em eventos e festivais inter-religiosos, abrindo as portas das suas instituições ao público e desenvolvendo atividades sociais. Isso também inclui a tradução de partes do Alcorão para o idioma iídiche, feita em 1987, “a fim de apresentar nossa confissão de fé também às pessoas que falam essa língua”, conforme expôs à imprensa israelense Muhammad Sharif Odeh, há muitos anos presidente da comunidade ahmadiana, no contexto dos 25 anos da publicação da obra. Na ocasião, ele também disse: “Não se ouve nada sobre nós porque não jogamos pedras em ônibus. Temos a plena convicção de que nada pode ser alcançado por meio de ódio e hostilidades”. Os prefeitos da cidade de Haifa, que cooperam estreitamente com essa comunidade que se sustenta exclusivamente com as contribuições dos seus integrantes e não aceita auxílios governamentais, também confirmam o lema dos ahmadianos: “Amor a todos, ódio a ninguém”.

Antje Naujoks

Antje Naujoks dedicou sua vida para ajudar os sobreviventes do Holocausto. Já trabalhou no Memorial Yad Vashem e na Universidade Hebraica de Jerusalém.

sumário Revista Chamada Fevereiro 2020

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